Rappi: a face perversa (e verdadeira) do capitalismo

Por Carlos Mareco, MST – LIS / Argentina

“Estão sendo priorizados os trabalhadores que entregam mais. Serão priorizados aqueles que entregam mais pedidos, que estiverem mais conectados. Nosso objetivo é fornecer ferramentas de proteção para os entregadores que mais prestam o serviço”. Com essas palavras, anunciava Juan Sebastián Rozo, diretor da Rappi na Colômbia, [sobre a vacina da Covid-19 a entregadores].

Jogos vorazes

Que a multinacional colombiana explora seus trabalhadores e viola todas as leis trabalhistas, todos nós já sabemos. Mas justamente quando pensamos que já vimos de tudo, que nada pode ficar pior, Rozo aparece com grande alarde e anuncia que, em meio a uma pandemia global, a Rappi vai levar a falsa ideologia da meritocracia a níveis extremos: dos 40 mil entregadores que trabalham para a empresa, os 2 mil“melhores” receberão as duas doses da vacina chinesa Sinovac.

Estas vacinas chegaram à Rappi por causa da autorização do governo repressivo de Duque a empresas privadas, para poder negociar a aquisição de vacinas. Assim, 1,5 milhões de vacinas contra o coronavírus chegaram à Colômbia; 2 mil irão para Rappi. Com pressa para “reativar a economia” e diante da incapacidade de garantir vacinas para todos, o Estado colombiano deixa as empresas administrarem a vacinação a seu próprio critério.

Querendo suavizar o que Rozo disse, no blog “Soy Rappi”, a empresa colombiana esclareceu que as vacinas serão aplicadas aos entregadores que estão com o aplicativo há mais tempo e que tiveram um melhor desempenho durante o período. Esta empresa, que não cuida dos entregadores que sofrem acidentes durante o trabalho, agora quer “recompensar”uns poucos.

Atrás de Rappi está o poderoso banco japonês Soft Bank, que em 2019 investiu 1 bilhão de dólares no aplicativo para incentivar seu crescimento. Apesar de ser uma multinacional poderosa e em expansão, a Rappi mal consegue comprar vacinas para 5% de seus trabalhadores. O Ministério da Saúde anunciou que será responsável pela vacinação de todos os trabalhadores e suas famílias. Faz parte do acordo entre o setor privado e o Estado.

Além do fato de que é errado e um perigo real para a saúde pública que empresas privadas gerenciem a campanha de vacinação, e vale a pena esclarecer que não colocamos um centímetro de confiança no governo assassino de Duque, é um fato que no momento em que Rappi concorda em vacinar seus entregadores, está reconhecendo-os como seus trabalhadores, em uma relação de dependência. A mentira do“colaborador”cai por terra, uma ideologia a serviço da exploração e do fim de todos os direitos trabalhistas que a classe trabalhadora conquistou em décadas de lutas.

Este modelo trabalhista, sem direitos, de concorrência entre trabalhadores, é a regra na qual empresas privadas, bancos e governos estão apostando. As reformas trabalhistas que foram aprovadas ou tentam aprovar na maioria dos países da América e Europa há alguns anos estão sendo aplicadas na realidade em todos os nossos países. Um mundo perverso no qual arriscamos nossas próprias vidas para tentar atender nossas necessidades básicas. É para esse mundo que eles querem nos levar.

Felizmente, nós,  trabalhadoras e trabalhadores, lutamos, nos organizamos e combatemos, como mostra Carolina Hevia, entregadora e ativista por direitos trabalhistas nos aplicativos, que denuncia: “Eles não podem oferecer apenas 2 mil vacinas, quando só no Rappi somos 40 mil Rappieiros”. Isto nem sequer é suficiente para 1/4 dos entregadores, além de nos jogarem em uma concorrência desleal entre o mesmo sindicato, onde vamos nos auto-explorar para ganhar as vacinas como se fosse uma rifa ou um prêmio, quando eles estão violando um direito fundamental que aparece na resolução 507 de 2021 do Ministério da Saúde da Colômbia”.

A proposta de vacinação dos Socialistas

Quando as primeiras vacinas se mostraram eficazes, nós, da Liga Internacional Socialista – LIS, promovemos uma campanha internacional para o fim de patentes de vacinas, para que os Estados pudessem produzir, distribuir e aplicar vacinas a todos os trabalhadores. Evidentemente, é um debate que temos todos os dias e faz parte das demandas das lutas dos trabalhadores, já que todos nós somos essenciais. Mas eles não nos vacinam.

A vacinação de 2 mil de 40 mil trabalhadores não é suficiente para acabar com a pandemia, nem é suficiente para vacinar 10 ou 20 milhões quando a população total é de 40 ou 50 milhões. Mesmo a vacinação de um país inteiro, se o resto do mundo ainda não tem acesso a vacinas, não é suficiente. É por isso que estamos propondo um programa mais abrangente. A vacina funcionará quando pelo menos 70% da população mundial for imunizada com as duas doses.

Para atingir esse nível, é uma necessidade básica nacionalizar os laboratórios, cancelar as patentes, injetar verbas para produzir vacinas. […] É necessário que os trabalhadores promovam espaços de coordenação, debate e organização democrática para exigir com um plano de luta que os trabalhadores de entrega possam usufruir de todos os direitos trabalhistas e serem vacinados junto com toda a população. A união de todas e todos os trabalhadores é o caminho para sair desta situação.