Esperança no título de eleitor: entre a importância da conjuntura e a ilusão da mudança

Por Carlos Lopes – Juventude da Alternativa Socialista-PSOL. LIS, Brasil.

Desde o início do ano, diversas organizações vêm encapando uma campanha pela tiragem de título dos mais jovens, especialmente aqueles entre 15 e 17 anos, que não têm o título como um documento obrigatório. Até o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mirou esse público, lançando a campanha “Rolê das Eleições”. Entre a esquerda, a mesma proposta. A Kizomba, juventude da Democracia Socialista — corrente interna do PT — chamou a juventude a “reagir”: “tire seu título, tire Bolsonaro”, anunciam em um de seus vídeos. A União da Juventude Socialista (UJS), braço do PCdoB, avisa: “pra transformar tem que votar!”. E o vício das eleições também chegou ao PSOL. A juventude da Insurgência recomenda tirar o título “e em outubro a gente tira Bolsonaro”. “Título na mão, Bolsonaro no chão” é outra de suas frases. Outras organizações seguiram o mesmo caminho.

Evidentemente, expurgar Bolsonaro e o bolsonarismo é uma necessidade de primeira hora. O presidente foi responsável pela aprovação da Reforma da Previdência, deu continuidade ao fim da CLT iniciada por Temer e relativizou a pandemia. Com seu desprezo pela vida e colocando a economia acima das pessoas, o Brasil permanece num estado de caos social, com pessoas revirando lixo atrás de comida, fila de ossos e pessoas presas por furtos a supermercado. Foi também o governo de Bolsonaro/Mourão/Guedes que tentou aprovar a Reforma Administrativa para acabar com o serviço público e precarizar ainda mais a vida das pessoas que precisam das escolas públicas, SUS e outros aparelhos estatais. Nesta semana vimos ainda Bolsonaro conceder perdão presidencial ao neofascista Daniel Silveira, condenado pelo STF por ataques à democracia. 

Portanto, novamente, cabe ao povo pobre e a todos os oprimidos e explorados retirar esse governo que atenta contra a liberdade e a vida. Os atos do “Fora Bolsonaro” iniciados em 2021, em meio à pandemia, foram uma tentativa que não conseguiu canalizar nas ruas todo o desprezo que a população sente por esse governo. Mesmo numerosos, as manifestações contaram com a “contenção de danos” promovida pelas forças da centro-esquerda, que preferiam queimar Bolsonaro mas não derrubá-lo efetivamente, esperando as eleições de 2022.

Desfazer as ilusões e apontar outra saída

As campanhas pela tiragem de título partem de uma demanda real: se Bolsonaro não caiu — e dificilmente cairá pelas mobilizações que continuam esse ano —, a forma mais efetiva de retirá-lo de Brasília é nas eleições que se avizinham em outubro. Nós acreditamos no mesmo, e votaremos contra Bolsonaro no segundo turno. Entretanto, parte do problema — que reside nas palavras de ordem ou mesmo na tática central de algumas das organizações citadas aqui — está em manter a confiança das instituições capitalistas e nas eleições como arma de transformação social. As eleições são importantes, claro. Fosse qualquer presidente progressista no momento, não teríamos o mesmo desmonte que temos visto. Nem Lula, aliado do capital e eterno mantenedor das estruturas burguesas, seria privatizador, conservador e desumano como o atual chefe do Planalto. Mas nem tudo se trata de eleição. Elas são importantes para demandas pontuais: salário mínimo com ganho real, orçamento suficiente para escolas e universidades, fortalecimento das leis trabalhistas e outras. Mas a única saída real é estrutural: ela passa pela autoorganização da classe trabalhadora, de fazer sentir nas ruas o desejo mais latente do povo pobre e de tirar na marra qualquer demanda de melhoria de vida. Essas mudanças passam pela derrubada do sistema capitalista e pelo fim da ordem burguesa, com uma política efetiva de redistribuição de renda, expropriação de latifúndios improdutivos, casa para quem precisa e terra para quem trabalha. Ou seja: eleição nenhuma é capaz de promover mudanças reais que dêem conta de construir o socialismo e uma nova sociedade.

Enquanto revolucionários, apoiamos e disputamos as eleições, mas não com a confiança de que o voto a cada dois anos responde os nossos problemas centrais. Os comunistas têm uma tarefa tática nesse período: estar dentro da ordem para acabar com a ordem. As eleições apresentam também um leque de vantagens: conseguimos apresentar um programa de transformação social em um espaço que não é nosso e dialogar com uma ampla base de trabalhadores e juventude. Temos o parco espaço da tevê e rádio disponíveis para propagandear um outro programa e atrair o desejo da revolução para milhares de pessoas. Essa é nossa tarefa. Estar dentro de um regime burguês como o das eleições, mas com a clareza e a consciência de não nos contentarmos em apenas votar, senão de convocar o povo a se unir a nós pelo fim do neofascismo e dos aparatos de repressão, como a Polícia Militar racista, do machismo que mata mulheres e nega a posse de seus corpos, da LGBTQfobia que transforma o Brasil num dos países que mais assassina pessoas trans e outras bandeiras que são caras para os socialistas. Estaremos presentes nas eleições, mas não abdicaremos das ruas.