O terreno das derrotas: Em visita ao RN, Lula arquiteta novamente aliança com MDB.
Por Alternativa Socialista e Grupo de Ação Socialista
Nos últimos dias o ex-presidente Lula (PT) vem percorrendo uma caravana pelo Nordeste. Na noite da última segunda-feira (23), o dirigente desembarcou em Natal, capital do Rio Grande do Norte, para travar novamente reuniões com as cúpulas de partidos e armar tanto seu nome como o do PT local para as eleições de 2022. O RN é um dos quatro estados comandados pelo Partido dos Trabalhadores, a professora e ex-sindicalista Fátima Bezerra.
Na viagem a Natal, o ex-presidente tratou rapidamente de se reunir com líderes do MDB, principal articulador do golpe parlamentar de 2016 e berço de uma das oligarquias mais fortes do Estado, a família Alves, para o qual afirmou que “pretende continuar tendo” relações [1]. Queremos neste artigo debater com os camaradas de esquerda que ainda vêem no PT uma saída positiva para a crise política e o drama do povo pobre, à despeito do desejo do partido de continuar se aliando às camadas mais reacionárias do Rio Grande do Norte.
Para começar, vamos relembrar o cenário oligárquico do Rio Grande do Norte. O estado tem uma longa trajetória de famílias no poder. As principais são os Alves, berço do ex-senador Garibaldi, do ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo e do deputado federal Walter Alves, todos do MDB, e do ex-prefeito de Natal Carlos Eduardo (PDT). Outro ramo famoso é dos Rosado, braço, dentre outros, da ex-governadora Rosalba Ciarlini e do deputado federal Beto Rosado. O PT potiguar, em diferentes momentos, já se aliou a esses setores.
As eleições de 2018, porém, marcaram uma ruptura entre a esquerda e as oligarquias, fruto também do ascenso do bolsonarismo. Para o governo do estado, o PT lançou o nome de Fátima, até então senadora, numa aliança reduzida (além do PT, participaram PCdoB e PHS). As famílias tradicionais se uniram sob a candidatura de Carlos Eduardo Alves, que teve Kadu Ciarlini, filho de Rosalba, como vice. No segundo turno, chegaram Fátima e Carlos que, apesar de ser do PDT, partido do chamado “campo progressista”, encarnou de vez o bolsonarismo na reta final da campanha para se contrapor à Fátima, declarando apoio a Jair Bolsonaro para surfar na onda antipetista.
Já Fátima, de forma parecida, esqueceu (ou fingiu esquecer) de qualquer relação que já teve com esses setores da direita potiguar. A chapa reacionária do PDT/PP não se criou e, na vitória, a vencedora declarou que a chegada do PT ao poder “interrompe um ciclo de governos, de oligarquias que estão aí há décadas no comando do Governo do Rio Grande do Norte”[2]. Entretanto, menos de três anos depois, Lula, na visita ao RN, tratou rapidamente de relembrar sua admiração pelo “canto da sereia” da colaboração de classes e acenou positivamente ao retorno da aliança com o MDB.
Após a reunião de terça (24), em que o ex-presidente se reuniu com Garibaldi e Walter Alves, Lula afirmou em entrevista a uma rádio que teve “muitas relações com o PMDB” e pretende “continuar tendo”. Walter Alves é um dos nomes mais ventilados pela imprensa como provável vice de Fátima em 2022. O deputado, vale lembrar, votou favorável à PEC do Teto de Gastos em 2016, à favor da Reforma da Previdência e, mais recentemente, contra a prorrogação do auxílio emergencial e pela privatização dos Correios. Sua trajetória, assim como da sua família, é baseada no fisiologismo e no “topa tudo por uma eleição”. Se confirmada, a aliança PT-MDB tendo Walter na vice-governadoria colocaria, ainda mais, o Rio Grande do Norte ao poder dos grandes empresários e às reformas impopulares que precarizam a vida do povo pobre.
O PT-RN, que já passou por um desgaste com a sua base ao aprovar a Reforma da Previdência estadual, rechaçada inclusive por uma de suas correntes internas [3], se jogaria de vez no terreno das derrotas, desmontando qualquer discurso antioligarquia que já teve. A ilusão de ter um governo próprio que os trabalhadores e a juventude depositaram em 2018 seria desfeita no ar.
A conciliação de classes, sob o discurso bonito da “arte da convivência democrática na diversidade”, como disse Lula, se desmonta de qualquer tentativa de avançar um governo realmente popular e dos trabalhadores e trabalhadoras. As diferenças de classe são deixadas de lado em prol de um governo de “união” que sempre se conforma, posteriormente, numa traição da burguesia aos setores que lhe deram apoio. A população, que votou em Fátima tendo a esperança de se ver livre da direita, é obrigada a se deparar com esses atores políticos ocupando novamente cargos importantes, recuando avanços para a classe e querendo passar cada vez mais contrarreformas. Como afirma Nahuel Moreno, conformando frentes eleitorais como essa, “o proletariado luta para conquistar as condições que permitirão o desenvolvimento burguês”. Em 2022 e nas eleições seguintes, quem garante que o ovo da traição de classes, posto por Lula-PT e fortalecendo as oligarquias, não chocará uma serpente que nos engolirá?
Por outro lado, o Partido dos Trabalhadores poderia argumentar que tais alianças espúrias são necessárias para manter a governabilidade e futuramente se reeleger. O próprio Lula, sob esse prisma, já afirmou no Twitter que “as grandes transformações desse país passam pelo Congresso” ou, no caso particular do RN, da Assembleia Legislativa. A declaração veio para justificar a falta de Reforma Agrária em seus governos, no que foi uma coalizão reformista quase sem reformas. Ora, se numa conjuntura marcada pelo ascenso da extrema-direita como foi em 2018, que levou um amante da ditadura à presidência, Fátima conseguiu ser eleita com menos estrutura do que seu principal rival e à revelia do antipetismo, por que insistir na frente ampla com algozes que sua base já rejeita?
Da mesma forma, todas as pesquisas de intenção de voto feitas até o momento colocam a petista na liderança. O pior de tudo, entretanto, não é isto. Ao condicionar todas as conquistas que possamos ter às eleições, Lula-Fátima-PT jogam no lixo toda a trajetória dos movimentos sociais que tiveram, reduzindo a capacidade de mobilização do povo para arrancar dos governos aquilo de que necessitamos. O dever de todo revolucionário é fazer a revolução, e para isso a rua, tomada de mobilizações, é nossa casa. Lideranças que esquecem o poder da pressão popular são lideranças fadadas ao fracasso.
Desde o Rio Grande do Norte, acreditamos que é necessário agitar a todo e qualquer momento uma política revolucionária e radical que rechace qualquer tipo de aliança com nossos inimigos. O Movimento Esquerda Radical, do qual fazem parte a Alternativa Socialista e o Grupo de Ação Socialista (GAS), coloca todas as suas forças para forjar saídas para a classe trabalhadora à altura dos nossos sonhos: com um programa para os de baixo e contra qualquer política de ajuste que ataque os trabalhadores, como foi a Reforma da Previdência do estado. Um programa que defenda o público diante do lucro de uns poucos empresários privatistas e que lute pela anulação das reformas antipopulares. Que esteja a favor de uma reforma tributária para que paguem mais quem mais tem, fortes impostos para ricos e banqueiros e anulação do IVA para a cesta básica de alimentos. Que garanta um verdadeiro processo de democracia participativa com consultas públicas permanentes, orçamento participativo e todo mecanismo que faça com que o povo decida sobre seu futuro.
Notas
3 – A direção estadual da Articulação de Esquerda, corrente interna do PT da qual faz parte a deputada federal Natália Bonavides (PT-RN), lançou em fevereiro de 2020 nota contrária à Reforma da Previdência do Governo do RN. Ver em https://www.pagina13.org.br/contra-a-reforma-da-previdencia-do-governo-do-rn/.