Invasão Russa à Ucrânia: Atilio Borón e o campismo canalha

Por Carlos Carcione

Desde 27 de janeiro, o sociólogo argentino Atilio Borón, atual teórico do Partido Comunista Argentino, integrante da Frente de Todos, escreveu quatro artigos sobre a crise causada pela ameaça e invasão da Ucrânia pela Rússia. Em todos se colocou, sem hesitação, do lado russo na “tragédia” da Ucrânia [1].

O objetivo na série de artigos do Borón é: primeiro, evidenciar a agressividade belicista da OTAN, seus membros e a responsabilidade dos EUA e; segundo, defender a invasão russa da Ucrânia porque, segundo ele, é defensiva contra a agressividade da OTAN. Em sua história, Borón coloca este episódio como parte de uma Guerra Fria que repetiria os protagonistas e o contexto da anterior. O que Borón propõe não leva em conta, não nomeia e, portanto, nega a disputa entre diferentes blocos imperialistas, cada um deles liderado pelos EUA, de um lado, e a China, no qual a Rússia se inclui, de outro. Dessa forma, justifica que o sofrimento causado pela invasão seja suportado pelos trabalhadores e pelo povo ucraniano e pelos trabalhadores e jovens russos que rejeitam esta agressão de Putin, como já foi visto nas mobilizações massivas contra a invasão. Um verdadeiro canalha.

A verdade sobre a OTAN para grosseiramente mentir sobre a invasão russa

O recurso argumentativo de Borón não é novo, usa um fato verídico: a expansão da OTAN para as fronteiras russas da Europa, o sociólogo do PCA usa esse argumento para justificar a invasão ordenada por Putin. Também coloca o nome de Guerra Fria para confundir o fenômeno político histórico que, até a queda do Muro de Berlim e a dissolução da URSS, prevaleceu em todo o mundo, para confundir o caráter interimperialista do confronto atual. Desta forma, não só não diz uma palavra sobre as terríveis consequências que resultam desta agressão para o povo ucraniano, mas, ao contrário, elege um campo imperialista em detrimento de outro, lembrando os social-democratas dos países europeus mais importantes sobre a Primeira Guerra Mundial: nos parlamentos cada um decidiu apoiar seu próprio imperialismo. Neste caso, Borón apoia o imperialismo russo.

Ao mesmo tempo, em um de seus artigos, o de 25 de fevereiro, percorre uma longa lista de agressões relativamente recentes dos Estados Unidos contra o resto do mundo, culminando no seguinte argumento: “Uma tragédia que poderia ter sido evitada e diante do qual não há neutralidade possível. Há um lado agressor: os Estados Unidos e a OTAN, e outro atacado, a Rússia. Não pode haver confusão nisso”.

Enquanto isso, em seu artigo de 2 de março, o intelectual busca outra forma de justificar seu apoio a Putin. Diante do fato de não poder negar a invasão, Borón se vale do recurso de explicar que o governo da Federação Russa é a vítima. Recorre a uma famosa citação de Clausewitz para se sustentar: “Por isso, o modo como as coisas são apresentadas com absoluta clareza e sem fissuras no plano confortável da intelecção; na luta fragorosa na lama e no sangue da história, a “invasão” em questão aparece com um significado completamente diferente: como reação defensiva a um assédio sem fim e injustificado”. E conclui o artigo afirmando: “Em suma: as aparências nem sempre revelam a essência das coisas, e o que à primeira vista parece ser uma coisa – uma invasão – quando visto de outra perspectiva e tendo em conta os dados contextuais pode ser algo completamente diferente.”. Em suma, se não pode negar os fatos, diz que estes não são o que parecem [2].

A Liga Internacional Socialista responde Borón desde A Ucrânia e Petrogrado [3]

Para a data do primeiro artigo de Borón que citamos, em 29 de janeiro, a Liga Internacional Socialista publicou uma declaração com o título “Não à agressão do imperialismo Russo contra a Ucrânia! Fora OTAN e EUA do Leste Europeu! Chega de guerras a serviço dos imperialistas!”; escrito pela direção e apoiado em sua seção ucraniana e militantes em Petrogrado, na Rússia. Sem deixar de denunciar categoricamente o papel perverso da OTAN e de caracterizar as condições que criaram o cenário atual, no ponto 9 afirma: “A Liga Internacional Socialista convoca os trabalhadores do mundo e, especialmente à classe trabalhadora russa, para que se oponham à ocupação da Ucrânia, empurrada por seu governo, e para evitar que este país se torne um campo de batalha das potências imperialistas! A Ucrânia tornou-se refém no jogo e na competição dos principais imperialismos do mundo. O cinismo e a mesquinhez do imperialismo estadunidense e ocidental, mascarados de “defensores da Ucrânia” perante a comunidade internacional, é parte do temor em perder o controle decisivo sobre a economia de um país fraco e dependente do capitalismo periférico. Ambos os campos imperialistas não defendem os interesses do povo ucraniano e, sim, exclusivamente seus interesses geopolíticos. A classe trabalhadora da Ucrânia não deve alimentar ilusões sobre imperialistas “amigáveis”, com suas reais intenções, e exigir a retirada da OTAN de todo o Leste Europeu”.

Um mês depois, em 24 de fevereiro, concluída a invasão, a ISL-ISL publicou outra declaração no qual, entre outros pontos, afirmava no dia 11: “Desde a LIS apelamos para ações unitárias e expressões de repúdio em todo o mundo contra a invasão imperialista russa e em solidariedade com o povo trabalhador ucraniano. Denunciando ao mesmo tempo as ações do imperialismo ocidental, que age para cercar a Rússia, aumenta sua presença no Mar Negro e quer incorporar a Ucrânia à OTAN, constrói forças militares na Grécia e conta com um Biden cada vez mais agressivo, que tenta reconstruir o poder perdido dos EUA após a afirmação de que ‘a América está de volta’” [4].

Por sua vez, o dirigente da Liga Socialista da Ucrânia, Oleg Vernyk, declarou em uma entrevista em 10 de fevereiro, depois de descrever a natureza capitalista e anti-operária do governo ucraniano: “Apelamos aos nossos irmãos e irmãs de todo o mundo para fortalecer a solidariedade internacional da classe trabalhadora com os irmãos e irmãs ucranianos da classe proletária. Nossa Liga Socialista Ucraniana, como parte da Liga Internacional Socialista, conclama os trabalhadores do mundo, e especialmente a classe trabalhadora da Rússia, a se oporem à ideia de ocupação da Ucrânia promovida por seu governo e não permitirem que este país se torne um campo de batalha das potências imperialistas!” [5].

Por outro lado, de Petrogrado, berço da Revolução Russa, o militante da LIS e membro do Movimento Socialista Russo, Andery Nestruev, foi entrevistado após ser libertado da prisão por participar das manifestações anti-guerra em sua cidade: “fui preso com outros camaradas e 1.700 pessoas que se mobilizaram no dia 24 de fevereiro em 52 cidades do país. Nós que fomos às ruas, deixamos uma mensagem objetiva: Não precisamos desta guerra”. Quando perguntado, que mensagem deixaria para os trabalhadores e os povos, respondeu: “É necessário agir para derrubar os regimes fascistas antes que desencadeiem as guerras. É preciso levar as lutas com mais força e radicalidade. É preciso alcançar a fraternidade entre os povos enfrentando seus próprios governos, que respondem aos interesses imperialistas e capitalistas” [6].

O Campismo nos novos cenários de crise, polarizações e conflito interimperialista

A tentativa de Borón de transformar a invasão agressiva da Ucrânia pela Rússia em uma operação defensiva nada mais é do que escolher o campo de um dos blocos imperialistas, o liderado pela China e ao qual pertence a Rússia, para fazer propaganda a favor desse campo. Por outro lado, a dissociação desse fato do processo de crise sistêmica do capitalismo e a ocultação das razões subjacentes a esse conflito como uma disputa interimperialista, respondem à mesma lógica.

O que Borón expressa é a decisão de um setor da esquerda, o campismo reformista, minúsculos resquícios do stalinismo, de apoiar um desses blocos imperialistas, mesmo que para isso tenham que mentir, esconder e distorcer a realidade. Não é a primeira vez que Borón usa esse método. A história mostra que em sua jornada, os renegados da luta pelo socialismo não hesitam em defender uma política desonesta.

Notas:

[1] 27/01: https://www.pagina12.com.ar/397854-la-crisis-en-ucrania-en-un-par-de-imagenes
1/02: https://www.pagina12.com.ar/398803-victoria-nuland-un-personaje-sombrio-en-la-crisis-de-ucrania
25/02: https://www.pagina12.com.ar/403832-rusia-ucrania-una-tragedia-evitable
2/03: https://www.pagina12.com.ar/404466-conflicto-rusia-ucrania-una-segunda-mirada

[2] Artigo do Atilio Borón em português: https://aterraeredonda.com.br/sobre-o-conflito-russia-ucrania/

[3] Declaração da LIS de 29 de Janeiro: https://lis-isl.org/pt/2022/01/29/declaracion-de-la-lis-no-a-la-agresion-del-imperialismo-ruso-a-ucrania-fuera-la-otan-y-ee-uu-del-este-europeobasta-de-guerras-al-servicio-de-los-imperialistas/

[4] Declaração da LIS de 24 de Fevereiro: https://lis-isl.org/pt/2022/02/24/decla/

[5] Artigo de Oleg Vernyk: https://lis-isl.org/pt/2022/02/10/ucrania-entrevista-a-oleg-vernyk-los-trabajadores-rusos-son-nuestros-hermanos-en-la-lucha-anticapitalista/

[6] Artigo de Andery Nestruev: https://lis-isl.org/pt/2022/03/01/rus/