As ameaças autoritárias e a urgência pelo Fora Bolsonaro e Mourão

Por Alessandro Fernandes, Alternativa Socialista/PSOL – LIS no Brasil

Em reportagem publicada na última quinta-feira, 22, o jornal O Estado de SP divulgou uma ameaça atribuída ao Ministro da Defesa, General Walter Braga Netto, sobre as eleições de 2022, afirma o veículo: “sem ‘voto auditável’, disposição das Forças [Armadas] é que pleito não seja realizado”. Enquanto a crise se aprofunda e o governo Bolsonaro encontra-se cada vez mais isolado, as ameaças se tornam mais agressivas.

Não tardou muito para o próprio Braga Netto negar o conteúdo da reportagem e afirmar que as Forças Armadas “sempre atuarão dentro dos limites previstos da Constituição”. Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, também saiu imediatamente negando a ameaça, uma “invenção”; Luís Roberto Barroso, ministro do STF e presidente do TSE, afirmou que em conversa com Lira e Braga Netto, ambos negaram; o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que a eleição em 2022 é “inegociável”. O jogo de morde e assopra sobre o regime de 88 ganha mais um capítulo. De nossa parte não há dúvida, o governo está se lixando para a Constituição. A questão reside em: conseguirá Bolsonaro rasgar de vez a Carta Magna?

A fala atribuída a Braga Netto; a participação do ex-Ministro da Saúde Eduardo Pazuello em um ato pró-Bolsonaro, sem punição mesmo sendo General da ativa; a resposta em tom ameaçador dos três comandantes das Forças Armadas sobre a declaração do Senador e presidente da CPI da Covid Omar Aziz; e outros episódios, mostra: 1. A estrutura das Forças Armadas permanece intacta desde a transição operada no andar de cima entre o final da Ditadura Militar e a Redemocratização; 2. Essa estrutura em seu conjunto é instável na relação com as demais instituições do regime e, por isso, sempre ameaçadora aos mínimos direitos conquistados pela classe trabalhadora; 3. A “fusão” entre o aparelho governamental e os militares, com extravagante presença no governo, mostra como esta categoria social permanece com um projeto de autoconservação.

Braga Netto, Ministro da Defesa, e os três comandantes das Forças Armadas

Ao mesmo tempo em que a instabilidade avança, as pesquisas divulgadas pelo Datafolha em julho mostram um governo cada vez mais desacreditado. Pela primeira vez, a maioria da população é favorável ao impeachment (54%), porcentagem que ganha força quando questionada se há corrupção no governo (70%). Não satisfeito, Bolsonaro é considerado inconfiável (55%), incompetente (58%), desonesto (52%), pouco inteligente (57%), falso (55%), indeciso (57%), despreparado (62%) e, não menos importante, autoritário (66%) [1]. Vendo sua popularidade despencar, Bolsonaro também assiste seus atos cada vez menores, mesmo chamando a atenção pela irresponsabilidade de fanáticos aglomerados sem máscara. Sua defesa nas ruas está nas mãos de um núcleo duro, de extrema-direita, que insiste na “intervenção militar com Bolsonaro no poder”. Mas não resta dúvida, são atos muito aquém do que já foram e justamente isso explica a agressividade. O núcleo duro fará de tudo pelo seu “mito”.

Em resposta a situação caótica, a vanguarda grita por uma saída nas ruas – 29M, 19J, 3J, 13J e 24J. Bolsonaro fica cada vez mais acuado por todos os lados, tanto pelas manifestações quanto pela direita, mascarada de “centrão”, que lhe cobra cada vez mais caro a manutenção do acordão burguês que o sustenta – a notícia mais recente é a indicação do Senador Ciro Nogueira (PP) para a Casa Civil e Bolsonaro, em vídeo, afirmando ser parte do “centrão”, tantas vezes criticado por ele. Se Bolsonaro vencer, encenará um “Bonaparte” fanfarrão; se o “centrão” ou a esquerda da ordem vencerem, empurrará a crise para as eleições de 2022; se o grito nas ruas for vitorioso, Bolsonaro sairá escorraçado. Apostamos todas as nossas fichas na terceira via.

Bolsonaro esbraveja e Lula brinca de 2022. E nós?

Não é de hoje que assistimos Bolsonaro esbravejando na imprensa a possibilidade de “fraude” nas eleições para Presidente da República em 2022. Exige o retorno do voto impresso, projeto que está sendo pautado no Congresso pelo seu fiador Lira, fala que os votos precisam ser “auditáveis”, o que já são, entre outras intrigas que tem por objetivo aprofundar a disputa entre as instituições do regime já fraturado.

Nessa disputa, Lira é a outra face da colaboração e sustentação do presidente. Além dos planos de ataques em curso (privatização dos Correios, Eletrobras, reforma administrativa e tributária, etc.), recentemente saiu em defesa do semipresidencialismo, um projeto perigoso que joga na mesa a hipótese de dissolução do Congresso pelas mãos do Presidente em momentos de “grave crise política e institucional”, convocando novas eleições em 60 dias. Lira é o bolsonarismo “soft”, mais uma prova da relação utilitária e, por isso, descartável, que o “centrão” tem com o regime; acomodando-se e cada vez mais ganhando terreno num governo que um dia já foi “puro sangue” da extrema-direita.

Enquanto a crise avança e Bolsonaro vê seu governo transformar-se em espectro do que um dia já foi, Lula desponta como via possível para a presidência em 2023. A última pesquisa estimulada para as eleições em 2022 mostra Lula com 46% no 1º turno e 58% no 2º turno; Bolsonaro com 25% no 1º e 31% no 2º, perdendo em 2º turno até para candidatos como Ciro Gomes (PDT) e João Doria (PSDB) [2]. Lula já “cantou” que a sua chance é ver Bolsonaro desidratando e vencê-lo no próximo ano. Ou seja, Bolsonaro até o final mandato. No momento em que as condições de vida do povo brasileiro se deterioram, as velhas direções mostram sua face traidora.


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A irresponsabilidade política da esquerda da ordem em assistir Bolsonaro sangrar em doses, sem jogar peso na sua derrubada, mostra o quão necessário é a construção de uma alternativa política. O presidente eleva o tom por um autoprojeto; Lula se reúne com figurões dos partidos burgueses tradicionais tentando costurar um acordo para um novo governo de conciliação de classes – com um programa mais rebaixado do que foi em 2003-2016. Este é o trágico cenário do jogo político.

De tudo isso, fica a pergunta: a tarefa é derrotar a extrema-direita de uma vez por todas ou novamente alimentar na classe trabalhadora a ilusão pela conciliação? Estamos falando da mesma conciliação que serviu de prontidão aos EUA nas “missões de paz” no Haiti, a MINUSTAH, entregando o comando nas mãos de Generais que, anos depois, fizeram ou fazem parte do governo Bolsonaro, para ficarmos em um exemplo. Talvez você, leitor, esteja pensando: mesmo sendo conciliação de classes, é diferente da extrema-direita. A resposta é sim, evidentemente. Seria insensato torná-las iguais. Mas quais elementos contribuíram para o bolsonarismo emergir no Brasil? Como um raio do céu ou alguém cumpriu o papel de chocar o ovo da serpente?

A certeza que temos é que a luta de classes se acirra. Nesse sentido, precisamos de unidade efetiva entre todas as organizações que estejam dispostas a derrubar Bolsonaro hoje e, concomitante, construir um polo alternativo com um programa radical por emprego, vacina, auxílio digno, prisão e expropriação de bens dos corruptos, fim do “bolsa banqueiro”, que combata o machismo, racismo, etnocídio, lgbtfobia, capacitismo e o extermínio das camadas mais empobrecidas; que soterre o militarismo do governo; que seja ecossocialista; um programa da classe trabalhadora, do povo pobre e das oprimidas e oprimidos.

Notas:

[1] Pesquisa Datafolha (7-8/07/2021): https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/07/08/maioria-considera-bolsonaro-despreparado-desonesto-indeciso-incompetente-falso-pouco-inteligente-e-autoritario-revela-datafolha.ghtml

[2] Pesquisa Datafolha (7-8/07/2021): https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/07/09/lula-tem-46percent-e-bolsonaro-25percent-no-1o-turno-aponta-pesquisa-datafolha-para-a-eleicao-de-2022.ghtml