50 anos de Stonewall – Meio século de lutas LGBTI



Hoje, dia em que completam 50 anos da rebelião de Stonewall, compartilhamos o artigo escrito pelo companheiro Pablo Vasco, coordenador do movimento argentino Libre Diversidad, coletivo do MST, seção da Liga Internacional Socialista no país.



No dia 28 de junho se completam 50 anos da histórica rebelião da comunidade LGBTI de Nova Iorque, que enfrentou duramente a polícia e a fez recuar. Desde então, com a mobilização conquistaram direitos democráticos em boa parte do mundo. O panorama atual e os desafios.

O bar Stonewall Inn segue aberto em Greenwich Village, o bairro gay de Manhattan. Naquela época era frequentado por trans, drag-queens, ‘viados’ e taxi boys. A polícia vivia hostilizando, invadiam o lugar e levavam os frequentadores presos, até que na madrugada do dia 28 de junho as pessoas cansaram. Com algumas travas de frente, “as loucas” se rebelaram e centenas foram se somando ao grito de gay power (poder gay). Os confrontos na rua duraram vários dias e finalmente a polícia teve que retroceder. A partir dali, o movimento LGBTI se organizou, cresceu e se espalhou pelos Estados Unidos e por quase todo o mundo. No ano seguinte uma mobilização começou as Marchas do Orgulho, que sempre combinam celebração das vitórias e luta pelas reivindicações pendentes.

De Stonewall em diante, os avanços em matéria de direitos para a diversidade sexual e de gênero são indiscutíveis. Segundo o último informe anual da ILGA [1], os países que sob distintas formas legais perseguem e castigam as dissidências sexuais e de gênero passaram de 138 em 1969 para 70 na atualidade: ou seja, a metade. E como entre aqueles países que despenalizaram estão as populosas China e Índia, em meio século a população LGBTI do mundo suscetível de criminalização legal reduziu de 74% para 27%.

Apesar deste avanço mundial, em países como Nigéria, Sudão, Somália, Iêmen, Arábia Saudita ou Irã, a homossexualidade masculina (entre adultos e consentida) todavia pode ser castigada com a pena de morte, segundo a versão fundamentalista da lei islâmica (sharia). A mesma coisa acontece em regiões do Afeganistão, Emirados Árabes, Qatar, Mauritânia e Paquistão. Assim mesmo, dezenas de outros países castigam a homossexualidade masculina e feminina com prisão.

Por sua vez, inclusive nos países onde aconteceram avanços jurídicos a vida real apresenta problemas, e não são poucos. Por exemplo, aqui na Argentina onde com a luta coletiva conquistamos leis de vanguarda a nível mundial, como as do casamento igualitário (2010) e identidade de gênero (2012), todas as semanas aparece alguma notícia sobre um espancamento a um jovem gay, uma discriminação um casal de lésbicas ou, muito pior, um travesticidio [2].

É que o sistema vigente tanto aqui como no resto do mundo segue sendo patriarcal e capitalista, que são dos lados da mesma moeda. A exploração da classe trabalhadora se soma a opressão de gênero contra as mulheres e as dissidências [3]. Os capitalistas se beneficiam economicamente dessa opressão através do trabalho doméstico gratuito da mulher e por isso todas as instituições mantêm essa desigualdade de poder, que é fonte permanente de prejuízos e da violência machista. Uma dessas instituições, ainda bancada pelo Estado argentino, é a Igreja Católica Apostólica Romana: seu rol anti-direitos é similar ao da sharia.


“Ele criou homem e mulher…

Com esse título medieval, há poucos dias foi publicado um documento da Congregação do Vaticano para a Educação Católica. Fala de “respeitar cada pessoa” e diz que “a sociedade está em dívida com as mulheres” (que novidade), mas seu foco é atacar a chamada ideologia de gênero porque segundo eles “nega a diferença e a reciprocidade natural do homem e da mulher”.

Esse texto primitivo diz: “O clima cultural do nosso tempo contribuiu certamente para desestruturar a família, com a tendência de acabar com as diferenças entre o homem e a mulher, consideradas como simples efeitos de um condicionamento histórico-cultural”.

Em concreto, o Papa e a Igreja voltam a negar que o gênero é uma construção (e desconstrução) social e reafirmam o modelo familiar heteronormativo binário tão funcional ao sistema capitalista. Enquanto condenam a dissidência, a educação sexual integral, a anticoncepção, o aborto legal e demais direitos, hipocritamente seguem encobrindo seus padres pedófilos, como os do Instituto Próvolo, onde abusavam sexualmente de meninas e meninos surdos.


Assimilação x revolução

Tal como ocorre com outros movimentos sociais, se não podem derrotá-los, o sistema capitalista e seus governos buscam desviar e assimilar todo fenômeno sociopolítico progressivo a fim de neutralizar seus questionamentos. Assim fazem com o feminismo, os direitos humanos e o ecologismo.

Desse modo, se apoiando em setores da classe alta da comunidade, cooptam algumas lideranças e aplicam políticas gay friendly para dissimular a persistência da opressão patriarcal. Outro grande exemplo de pinkwashing (lavagem rosa) é o do Estado de Israel, que anuncia em todo o mundo sua tolerância ao coletivo LGBTI para ocultar sua histórica e violenta opressão à população árabe em geral e palestina em particular.

Diante do quinquagésimo aniversário de Stonewall, a polícia de Nova Iorque acaba de pedir “desculpas” pela sua atuação repressiva de meio século atrás, a prefeitura organizou festas oficiais subsidiadas por grandes empresas e até o próprio dinossauro misógino e homofóbico Trump “celebra” a “extraordinária contribuição” da comunidade LGBTI.

Nós não buscamos nenhuma adaptação a este sistema nem nos conformamos com reformas. Vamos por uma verdadeira e total liberdade sexual e de gênero, que só será possível quando junto a classe trabalhadora derrotemos de maneira revolucionária este sistema capitalista e patriarcal e o substituirmos pela construção de uma sociedade igualitária e livre de toda exploração e opressão, ou seja: o socialismo.



Pablo Vasco, Libre Diversidad – MST

1.Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Interssexuais. Homofobia de Estado 2019.

2.Assim como há um ano, com a luta unitária se conseguiu que a justiça considere como travesticidio o assassinato de Diana Sacayán, dias atrás em Rio Gallegos se conseguiu a mudança de caráter a homicídio agravado por ódio à identidade de gênero no assassinato de Marcela Chocobar.

3.Outras opressões por vezes coexistem, como as do imperialismo ou do racismo.