35 anos sem Moreno: atualização do Programa de Transição

Em homenagem aos 35 anos da morte de Nahuel Moreno, em 25 de janeiro de 1987, publicamos, como formação interna e aos nossos leitores, a Tese II da Atualização do Programa de Transição. Escrito em 1979, a atualização programática também marca a ruptura definitiva com o Secretariado Unificado, ferramenta morta enquanto direção revolucionária, a tentativa de composição internacional com a corrente Lambertista, que acaba não se concretizando, e a última etapa da vida teórica e militante de Moreno — a formação da velha LIT foi uma enorme contribuição frente as adversidades dos anos 1980.

Acreditamos que a Atualização do Programa de Transição não deve ser entendida como um escrito separado, mas como parte de um todo e, principalmente, de sua trajetória militante e as contribuições teóricas posteriores — Argentina: uma revolução democrática triunfante (1983); Conceitos elementares de materialismo histórico, As revoluções do século XX (1984); e as intervenções transcritas com os títulos Crítica às teses da revolução permanente de Trotsky, Teoria da revolução (1984) — parte da tentativa de Moreno, com acertos e erros, de escrever uma teoria original das revoluções e de atualização programática.

A maior homenagem que podemos fazer hoje a Moreno é seguir na batalha pela reorganização da Quarta Internacional, síntese revolucionária do marxismo-leninismo, levantando a bandeira do internacionalismo socialista. Para isso, nos empenhamos todos os dias na Liga Internacional Socialista – LIS.

Tese II – Um século de luta do proletariado mundial: grandes vitórias e conquistas; crise de direção e decadência da humanidade

Antes dos anos 80 do século passado, o proletariado só apareceu na cena histórica de forma esporádica, em momentos cruciais como a revolução de 1848 e na organização da Primeira Internacional, que culminou na Comuna de Paris. Foi somente nas três últimas décadas do século XIX que o proletariado e seus aliados, os povos e setores oprimidos, passaram a ocupar o lugar de protagonistas do processo histórico. Só a partir desse momento suas lutas adquiriram caráter contínuo e sistemático. Durante o presente século, o proletariado não deixou de lutar nem por um minuto contra os exploradores, especificamente contra o capitalismo e o imperialismo.

Graças a todas essas lutas, o proletariado e os trabalhadores alcançaram conquistas mínimas fundamentais como as grandes organizações sindicais, os partidos operários, os direitos sociais e, a partir da Revolução de Outubro, especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, conquistas revolucionárias como a expropriação da burguesia em numerosos países, que transformaram em Estados operários.

Por sua vez, os aliados do proletariado — os povos atrasados, as nacionalidades oprimidas, os camponeses, as raças e setores sociais oprimidos — conseguiram também grandes conquistas. Por exemplo, quase todas as colônias dos velhos impérios
obtiveram sua independência política; os camponeses de muitos países atrasados conseguiram uma maior participação na posse da terra; o povo vietnamita fez o imperialismo norte-americano sofrer sua primeira derrota militar; as mulheres obtiveram o direito ao voto, ao aborto e ao divórcio em muitos países; naqueles em que se expropriou a burguesia, também se expropriou de vez os latifundiários; os negros dos Estados Unidos avançaram consideravelmente em sua luta contra a discriminação, etc.

Essa luta de mais de um século da classe operária mundial contra o imperialismo está dividida em duas épocas claramente delimitadas pela Primeira Guerra Mundial e pela Revolução Russa. Até a Primeira Guerra Mundial, o proletariado obteve conquista após conquista, mas dentro do regime capitalista e imperialista, sem questioná-lo e sem se propor à tomada revolucionária do poder. É a época reformista. A partir do ano 1914 e da Revolução Russa, abre-se a época em que vivemos hoje, de crise e decadência crônica do imperialismo e do capitalismo, e de enfrentamento da revolução com a contrarrevolução mundial. É a época da revolução socialista internacional.

Apesar dessas grandes conquistas do movimento operário e popular, nestes cem anos a humanidade e os trabalhadores do mundo inteiro veem aumentar a miséria, as guerras, a possibilidade de um holocausto nuclear, inclusive nos países que se reivindicam socialistas, isto é, os estados operários burocratizados. Isso é consequência de o imperialismo — apesar do século de lutas contra ele — continuar dominando a economia mundial, e este domínio é fonte crescente de miséria, de repressão, de guerras e sofrimentos sem precedentes para os trabalhadores.

A existência dos estados operários, das colossais organizações sindicais e dos grandes partidos operários não significou solução para esses terríveis flagelos, pelo contrário, determinou sua agudização, seu agravamento, como o demonstram vários fatos contemporâneos: os planos de exploração e miséria levados a cabo pelo imperialismo e pelos governos dos estados operários são apoiados pelas direções dos grandes partidos operários e dos sindicatos; a humanidade sofreu duas guerras mundiais e uma infinidade de guerras locais; vivemos sob a presente ameaça de uma nova guerra nuclear que liquidaria toda forma de vida do planeta; a invasão da Hungria e da Tchecoslováquia, e hoje do Afeganistão, pela URSS, bem como a do Camboja pelo Vietnã e a invasão deste pela China, demonstram que a existência dos atuais estados operários não é uma garantia contra a guerra, e sim, pelo contrário, um fator que agrava seu perigo.

Esse fenômeno altamente contraditório — que a obtenção de grandes conquistas devidas ao heroísmo e à força das lutas operárias e dos oprimidos tenha agravado a crise da humanidade — tem uma só explicação: a crise de direção do proletariado mundial, que fez com que este não tenha até agora derrotado o imperialismo, apesar de que poderia tê-lo feito há décadas. Essa crise é consequência de que todas as organizações reconhecidas do movimento operário — sindicatos, partidos e Estados — são controladas, sem exceção, pela burocracia e outras direções contrarrevolucionárias a serviço, direta ou indiretamente, do imperialismo, principalmente a burocracia stalinista da URSS.

A crise de direção do proletariado mundial, ou, dito de outra forma, a traição das direções burocráticas reconhecidas do movimento operário e de massas, foi o fator decisivo das derrotas históricas que se produziram, de que todo triunfo ou conquista seja congelado, freado, e de que o imperialismo não tenha sido derrotado.

Os grandes partidos operários, os sindicatos e os estados operários ficaram deformados na camisa de força da burocracia: todos eles são burocráticos, nenhum é revolucionário. Todas as direções reconhecidas servem à contrarrevolução.

Há uma diferença no que se refere aos aparatos contrarrevolucionários: o aparato formado pelas direções oficiais social-democratas continua cumprindo seu papel contrarrevolucionário, e no primeiro pós-guerra cumpriu o papel decisivo; mas para frear e entregar revoluções o stalinismo não tem concorrentes. É um produto da época revolucionária, o mais gigantesco aparato burocrático contrarrevolucionário que se conhece na história. Estamos falando de utilidade contrarrevolucionária, não de aptidões. Ninguém é mais agente da burguesia que uma direção social-democrata, mas sua utilidade frente a um ascenso revolucionário para essa mesma burguesia é muito menor que a do stalinismo em escala mundial.

Por causa das direções social-democratas, as conquistas do proletariado sob a época reformista terminaram em uma derrota histórica: a guerra imperialista e a crise da Segunda Internacional. Graças aos social-democratas, a revolução socialista europeia ficou limitada à URSS e foi derrotada na Itália, na Hungria e, o mais importante, na Alemanha. Posteriormente, o stalinismo ocupa seu lugar de primeira linha como agente contrarrevolucionário nas fileiras operárias, e a ele se devem as derrotas posteriores.

A época revolucionária se divide, então, em três etapas claramente delimitadas:

A PRIMEIRA: de 1917 a 1923, em que triunfa a Revolução de Outubro na Rússia, consequência de existir um partido marxista revolucionário; funda-se a Terceira Internacional e explode a revolução europeia.

A SEGUNDA: de 1923 a 1943, aproximadamente, que se abre a partir da derrota da revolução europeia, inaugura 20 anos de derrotas ininterruptas, leva ao surgimento e vitória do stalinismo no seio da URSS e da Terceira Internacional que, com sua política, ajuda as vitórias fascistas de Chiang Kai-shek, Hitler, Franco e a segunda guerra imperialista mundial.

A TERCEIRA: do pós-guerra até hoje, quando nos encontramos com o maior ascenso revolucionário conhecido, que consegue expropriar a burguesia na China e em um terço da humanidade. Mas agora, devido ao fato de que o stalinismo continua sendo a direção predominante, relativamente fortalecido pela derrota militar do nazismo, os estados operários que surgem são estados operários
burocratizados, e o capitalismo consegue se recuperar na Europa.

Resumindo, os dois elementos determinantes de todos os fenómenos contemporâneos, as causas primeira e última, que determinam com suas distintas combinações todos os fenômenos, são o ascenso revolucionário das lutas da classe operária e dos povos atrasados, por um lado, e a crise de direção revolucionária, por outro. Esse fato confirma por si só a validade da Quarta Internacional.

A partir da primeira guerra imperialista, ao iniciar-se a época de crise definitiva do imperialismo e do capitalismo, a época da devolução socialista, mudam as relações causais dos acontecimentos históricos. Em relação às grandes épocas históricas e ao desenvolvimento normal das sociedades, o marxismo tem afirmado que o fio da meada, que explica todos os fenômenos, são os processos econômicos. Mas, numa época revolucionária e de crise, essa lei geral tem uma refração particular, que invente as relações causais, transformando o mais subjetivo dos fatores — a direção revolucionária — na causa fundamental de todos os outros fenômenos, inclusive os econômicos. Até a Primeira Guerra Mundial, o processo econômico tinha caráter predominante, e, em compensação, os fatores subjetivos não tinham maior importância. A própria luta da classe operária era reformista, porque não atentava contra o processo de acumulação capitalista, contra o desenvolvimento econômico capitalista, contra suas leis; significava, quando muito, uma pequena variação do processo. Por isso foi uma época reformista. Mas a partir da Primeira Guerra Mundial, deixa de ser assim. Os processos econômicos deixam de ser determinantes: o fator subjetivo — a direção — passa a ser fundamental. Não esqueçamos que isso é assim porque toda a época histórica está determinada pela luta revolucionária das massas.

A existência de Marx e Engels no século XIX não foi um fator objetivo no desenlace de nenhum processo histórico. Sua existência não pôde assegurar o triunfo nem evitar as derrotas da revolução proletária em 1848 nem na Comuna de Paris. Pelo contrário, a existência de Lenin e Trotsky e do Partido Bolchevique puderam garantir o triunfo da Revolução de Outubro, enquanto que na Alemanha a inexistência de um partido bolchevique e de um Lenin e um Trotsky não permitiu que se garantisse a vitória da revolução socialista. Da mesma maneira, a existência de direções contrarrevolucionárias burocráticas à frente dos grandes partidos socialistas permitiu a eclosão da Primeira Guerra Mundial.

Uma conseqüência histórica fundamental dessa inversão na linha causal dos acontecimentos históricos
reflete-se na dialética de vitórias e derrotas do proletariado mundial.

A esquerda social-democrata, confiante no processo linear e evolutivo, ao comprovar retrocessos e derrotas deste, como consequência da imaturidade do proletariado ou da traição de suas direções, formulou uma lei marxista, dialética, em uma bela frase: o caminho do proletariado está pontilhado de derrotas que levam à vitória. Assinalavam assim a dialética de derrotas e vitórias, sua transformação de uma em outra. Mas a Primeira Guerra Mundial, ao revelar com toda crueza o novo fator determinante do processo histórico — a crise de direção revolucionária do proletariado mundial — estabeleceu uma dialética inversa das relações entre vitórias e derrotas, que vale para toda a época que se abre com a Primeira Guerra Mundial, e é hoje mais atual do que nunca. Podemos formular essa lei da seguinte maneira: enquanto o proletariado não superar sua crise de direção revolucionária, não poderá derrotar o imperialismo, e todas as suas lutas, como consequência disso, estarão pontilhadas de vitórias que conduzirão inevitavelmente a derrotas catastróficas. Nada o demonstra melhor que o boom econômico deste pós-guerra: sua verdadeira causa foi a traição do stalinismo, que convocou os operários ocidentais a trabalhar mais do que nunca para o imperialismo.

Enquanto os aparatos contrarrevolucionários continuarem controlando o movimento de massas, toda vitória revolucionária se transformará inevitavelmente em derrota. Isto se deve à relação dos aparatos burocráticos com a mobilização permanente dos trabalhadores. Toda direção burocrática extrai sua força do apoio direto ou indireto que recebe dos exploradores para frear a mobilização permanente dos trabalhadores. Por outro lado, essa mobilização é uma ameaça mortal para a própria burocracia. Daí que toda conquista que a burocracia se vê obrigada a encabeçar seja administrada por ela para frear a mobilização revolucionária das massas, para detê-la nessa conquista, nesse ponto do processo. Mas, nessa época revolucionária, todo avanço que não é seguido de outro avanço significa um retrocesso. Por isso, a burocracia, com sua política de freio, por um lado, e de defesa de seus privilégios frente às massas por outro, é obrigada a lutar contra a mobilização permanente dos trabalhadores e a transformar suas vitórias em uma derrota da revolução permanente.

MORENO, Nahuel. Teses para atualização do Programa de Transição. São Paulo: CS Editora, 1992.