O Brasil tem fome

Por Verónica O’Kelly – Alternativa Socialista – PSOL / LIS, Brasil

Uma realidade de hoje no gigante de América Latina são as ruas repletas de pessoas morando nelas e comendo uma vez ao dia graças às marmitas que distribuem governos municipais, organizações sociais ou cadeias de solidariedade. Realidade que vai se espalhando no longo de um Brasil que sofre de Covid, pobreza e fome.

Um estudo publicado na última terça, 13, por pesquisadores do grupo “Alimento para Justiça” da Universidade Livre de Berlim, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de Brasília (UnB), com financiamento do governo alemão, demonstra a terrível situação: a fome aumenta e atinge mais de 125 milhões de brasileiras e brasileiros que não conseguem garantir um prato de comida ao dia, em Insegurança Alimentar. Ou seja, 59,4% de pessoas não têm garantida a comida. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os anos 2017 e 2018, 36,7% da população estava nesta situação – hoje, a quantidade saltou para 59,4%.

Além da classe social, a fome também tem gênero e raça. 25,5% das famílias comandadas por mulheres sofrem pela Insegurança Alimentar. Se a mulher é negra, o porcentual sobe para 67,5%. A fome também está no cenário das regiões do país: o Nordeste está com 73,1% da população nessa categoria, o Norte, 67,7%, Sul, 51,6%, e o Sudeste, 53,5%.

A pandemia foi um impulso fatal para estas cifras. Com o avanço do desemprego e a queda até nos trabalhos informais, o número de pessoas e famílias que estão abaixo da linha da pobreza cresceu. A inflação dos alimentos superou os 15% no ano de 2020 e quase triplicou a inflação geral, somado a um avanço na queda da renda que dificultou o acesso regular à comida.

Desemprego, queda na renda e inflação

No ano de 2020, a taxa de desemprego disparou a 13,5%, a maior taxa desde 2002. Isso significa que 13,4 milhões de pessoas procuraram uma vaga de emprego, 840 mil a mais do que no ano anterior. No primeiro ano da pandemia, foram 7,3 milhões de brasileiros e brasileiras que perderam seu trabalho. Desses milhões, as mulheres sofrem mais o impacto, são 52,9% de mulheres e 47,1% de homens.

Até o trabalho informal caiu no ano de 2020, 2,4% em relação ao ano anterior, ficando em 38,7% da população economicamente ativa. São 39,9 milhões de pessoas que vivem de trabalhos informais precários e que obviamente são impactados pelas medidas de distanciamento social, a inflação e a ausência de políticas públicas. O Auxílio Emergencial de R$600 que existiu até dezembro teve um forte impacto neste setor, permitindo parte do sustento com as necessidades básicas de alimentação das famílias. Com o fim do auxílio, a realidade piorou. O novo auxílio, além de ser menor (a grande maioria dos beneficiários receberão R$150), é insuficiente e alcança um número cada vez mais reduzido da população que hoje tem um prato de comida na mesa.

Enquanto a renda do povo trabalhador cai, o país ganha 10 novos bilionários, segundo o ranking 2021 da Revista Forbes. O valor da cesta básica alimentar teve um aumento estimado de 20%. Qualquer família de quatro pessoas precisa de R$ 600 para comprar uma cesta básica. Se somarmos os gastos básicos para a sobrevivência como moradia, saúde, educação, transporte, entre outros, a renda necessária para a família é de R$ 5.000, bem longe de R$ 1.100 do salário mínimo atual. Uma realidade insustentável.

A crise econômica se aprofunda

O país que já foi a 6ª economia do mundo, hoje tem queda no PIB e uma desvalorização crescente do Real em relação ao Dólar. Claudio Considera, um dos pesquisadores do estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) sobre o PIB nacional, fala de sucessivos erros que resultaram numa nova década perdida e que nos últimos anos a coisa piorou: “São três anos de recessão, mais um ano de pandemia que desligou a economia”.

A debilidade do governo Bolsonaro, que gera sucessivas crises no regime e desestabiliza a ordem burguesa, é a principal dor de cabeça dos empresários nacionais e internacionais que objetivam lucrar no país. O governo não consegue avançar de forma célere nas medidas de ajustes exigidas. A falta de controle da pandemia provocou uma grande perda de base social que o isolaram ainda mais, complicando suas possibilidades de cumprir com as promessas de campanha por reformas neoliberais e fortes ajustes contra o povo trabalhador. Bolsonaro  recebe mais ajuda na tarefa das reformas do que consegue ajudar.

Neste momento, Bolsonaro ainda não concluiu um acordo no parlamento para aprovar o Orçamento de 2021, produto das brigas entre o Ministro de Economia Paulo Guedes com o presidente do Senado, Arthur Lira, ou de Lira com Bolsonaro, ou de Bolsonaro com Guedes, e assim segue. A burguesia e a direita tradicional querem que o governo Bolsonaro termine o “trabalho sujo” dos ajustes fiscais para, no pós-eleições presidencial, iniciarem um novo governo a serviço do lucro de poucos.

A única saída é nossa mobilização: Greve Geral pela Vida!

Enquanto acompanhamos os belos discursos de Lula e outros dirigentes políticos, também vemos que nada fazem para sair dessa situação. A preocupação está centrada nas eleições do próximo ano e o retorno ao governo para recuperar o “capitalismo sério” do Brasil. No mesmo sentido, as direções das principais centrais sindicais nada fazem, enquanto o povo trabalhador sofre. Também são responsáveis pelo massacre do governo Bolsonaro. Todas e todos os lutadores devem exigir que as centrais sindicais saiam de seus confortos.

Este mês, a CSP-Conlutas corretamente aprovou um chamado à Greve Sanitária Nacional: “A CSP-Conlutas insiste que é decisivo que as direções das grandes Centrais rompam com essa política de conciliação de classes e imobilismo e convoquem conosco uma greve nacional sanitária, se responsabilizem pela defesa da vida dos trabalhadores e trabalhadoras”. É preciso dar a batalha para que este chamado se concretize.

A fome e a Covid-19 não esperam. É urgente deter esse genocídio. Nossas vidas são mais importantes que os lucros capitalistas. Construamos uma Greve Geral de ponta a ponta no país em defesa de nossas vidas!