Um balanço do ano que se encerra e as perspectivas para 2019: vem muita luta por aí!
O ano de 2018 chega ao fim, sem dúvida nenhuma, com uma sensação de desânimo e pessimismo no interior dos movimentos populares e da esquerda de um modo geral. A eleição de um candidato de extrema-direita, amante da Ditadura civil-militar (1964-1985) e que pretende implementar um programa de ataques brutais ao conjunto da classe trabalhadora brasileira logo que vier a assumir a presidência da República, a partir do dia 1 de janeiro de 2019, podem provocar um sentimento de derrota mesmo entre a vanguarda da classe trabalhadora, mas é preciso fazer uma avaliação atenta do que foi este ano e, partir disso, traçar as perspectivas para o próximo.
Nesse sentido, buscamos apresentar uma breve reflexão a respeito dos principais fatos que foram definidores para o desenvolvimento da conjuntura política neste ano que se encerra, e que da mesma forma, deverão continuar a jogar um papel significativo no próximo período. Assim sendo, consideramos que uma apreciação séria e detida a seu respeito se faz mais do que nunca, extremamente necessária.
A execução de Marielle Franco
O ano mal começou e na noite do dia 14 de março, recebemos chocados a notícia do assassinato da vereadora do PSOL no Rio de Janeiro, Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, vítimas de um atentado covarde, logo após Marielle sair de uma atividade política na capital fluminense. Não demorou muito para ficar claro que se tratava de um crime político, e mais de dez meses após o caso, ainda não temos qualquer esclarecimento dos fatos. A tão propagandeada intervenção militar no RJ – à qual Marielle era radicalmente contra – e o governo federal não apenas não foram capazes de evitar essas duas mortes e tantas outras que se seguiram, como não deram respostas concretas até o momento, e muito menos encontraram os responsáveis pela morte de Marielle e Anderson.
Ao mesmo tempo, a revolta provocada pela execução política, encheu novamente as ruas do país com manifestações ativas nas principais capitais e no interior, eram milhões de pessoas gritando por justiça, em um movimento que, não fosse a debilidade das direções políticas, incluindo lamentavelmente a do próprio PSOL, e a sua aposta na institucionalidade do Estado capitalista, poderia ter gerado um verdadeiro levante popular, colocando na ordem do dia pautas como, por exemplo, o fim da intervenção militar no estado do Rio de Janeiro, a desmilitarização da polícia, além de pressionar para que o caso tivesse de fato – e rapidamente – uma solução. Apesar da grande disposição, a falta de perspectivas acabou impedindo a continuidade das mobilizações.
Marielle Franco foi a quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro, era negra, LGBT, feminista e socialista. Vinda da favela da Maré, região periférica da cidade do Rio, ela sabia como poucos que chegaram onde ela chegou, o que significava viver em uma cidade marcada por uma profunda desigualdade social, pela discriminação e pela violência do Estado. Seu trabalho enquanto vereadora, em favor dos direitos humanos e contra a ação criminosa das milícias e setores corruptos da polícia militar, incomodavam muita gente, gente poderosa, e o seu assassinato é um triste atestado disso.
Seguimos exigindo justiça para Marielle e Anderson, com o esclarecimento dos fatos e a punição de seus executores e mandantes. Por outro lado, não acreditamos que essa justiça, a serviço de um Estado que pode estar diretamente ligado a esse crime bárbaro, tenha condições de levar adiante uma investigação isenta, e por isso defendemos uma investigação independente do caso, a partir de uma comissão plural, que conte inclusive com a participação de órgãos internacionais de defesa dos direitos humanos, além de organizações de classe, movimentos sociais e especialistas legais.
A prisão de Lula
No dia 5 de abril, o então juiz federal Sérgio Moro decretou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a 12 anos e um mês de prisão, após condenação em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do Tríplex do Guarujá, que teria sido recebido por Lula como propina em troca de negociações com a empreiteira OAS em obras da Petrobrás. Consideramos a prisão injusta, em primeiro lugar porque não foram apresentadas provas concretas que atestem para a hipótese que sustenta a sua condenação, a não ser declarações de executivos presos da própria empreiteira, que muito bem podem ter feito uma “troca”, dando às autoridades da Lava-Jato as informações que eles tanto queriam receber, com a condição de receberem benefícios em suas penas. Consideramos que o verdadeiro objetivo da prisão de Lula era impedir que ele se apresentasse como candidato nas eleições presidenciais deste ano, abrindo espaço para um candidato “puro” da burguesia, que pudesse seguir aprofundando as políticas de ajuste nas costas da classe trabalhadora em um ritmo acelerado, sem precisar responder a uma base social contrária a essas medidas.
Isso não significa que apoiamos politicamente a Lula e ao PT. Durante os mais de 13 anos em que estiveram à frente do governo federal, o ex-presidente e seu partido traíram as esperanças de milhões de trabalhadorxs e jovens brasileirxs, se aliando à ala mais corrupta da política nacional e administrando o Estado de acordo com os interesses da burguesia. Como consequência disso, também acabaram por governar através de métodos corruptos – inerentes ao próprio sistema capitalista – e o PSOL, partido no qual atuamos enquanto tendência interna, nasceu justamente como resposta a essa traição. Nesse sentido, propomos uma investigação independente dos casos corrupção para que tanto os políticos como os empresários corruptos sejam devidamente responsabilizados, sem qualquer exceção ou parcialidade como tem feito a Operação Lava Jato e o sistema judiciário.
A greve dos caminhoneiros
No mês seguinte, o país literalmente parou diante da greve dos caminhoneiros, que durou cerca de 10 dias, e que pôs em xeque o governo Michel Temer (MDB) e as instituições da Nova República. A pauta inicial do movimento era a revogação no aumento no preço do óleo diesel – a alta no preço dos combustíveis também atingia o gás de cozinha e a gasolina – mas, de maneira parecida com o que ocorreu durante as Jornadas de Junho de 2013, outras bandeiras foram levantadas pelos manifestantes, como o combate à corrupção, por exemplo. É claro que não se pode dizer que a greve dos caminhoneiros de maio deste ano, e as mobilizações juvenis e populares de 2013 são movimentos idênticos, mas existem sim características comuns nos dois casos, como a falta de coordenação política, a imprevisibilidade, pautas difusas, e um sentimento generalizado de revolta contra a casta política. Também é preciso salientar que tanto em um quanto no outro, existiu sim, por setores dos movimentos – sobretudo no caso dos caminhoneiros – um certo “flerte” com a direita, inclusive com pedidos de intervenção militar. Isso não significa, porém, como tentaram sustentar algumas organizações dentro da “esquerda” como o PT e seus satélites, ou mesmo o MRT (Esquerda Diário) que se postula como organização revolucionária, que se tratava de um movimento reacionário, ou orquestrado pela patronal, um lock out.
Sem dúvida que pode ter havido empresários que se utilizaram dos empregados para pressionar o governo em seu favor, porém não se pode tirar o componente político assumido pelo conjunto do movimento, incluindo aí, principalmente, os motoristas autônomos, trabalhando em condições bastante precarizadas diga-se de passagem, e que contava com o apoio da ampla maioria da população. A resposta por parte da esquerda socialista, do movimento sindical combativo e das entidades estudantis deveria ter sido o de se solidarizar imediatamente com os caminhoneiros em greve, reconhecendo a validade de suas reivindicações, conversando pacientemente com eles, e buscando, na medida do possível, reverter algumas posições mais reacionárias. Era necessário enfim, disputar um movimento que colocou o governo Temer nas cordas, muito mais, diga-se de passagem, do que os chamados do PT e até de setores do PSOL, no ano anterior, por “Diretas Já! ” e que não encontraram nenhuma ressonância do movimento de massas. Com exceção da CSP-Conlutas, que acertadamente publicou uma nota chamando uma nova Greve Geral, a resposta das outras centrais foi permanecer na imobilidade, soltando uma e outra nota na qual no máximo se solidarizavam com os autônomos sem, no entanto, se colocar à disposição da luta. Já quando o movimento esfriava, o sindicato dos petroleiros do Rio de Janeiro convocou uma greve de 72 horas, em “defesa da Petrobrás”, e contra a alta no preço dos combustíveis. Infelizmente, não resistiram às pressões da justiça e acabaram encerrando a paralisação antes do tempo previsto, e então a CUT, Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo, resolveram chamar manifestações pela Petrobrás 100% estatal – mas sem o controle dos trabalhadores e usuários – e pela mudança na política de preços da empresa. Na grande maioria das manifestações não se falava uma só palavra de apoio à greve dos caminhoneiros, e em algumas dela, inclusive, haviam setores que chegavam a se aproveitar para antecipar a campanha para as eleições e outubro, em favor de Lula e do PT. É preciso dizer claramente que, se Michel Temer não caiu nesse momento, a responsabilidade é toda das direções burocratizadas das organizações sindicais, estudantis, e dos partidos políticos que preferiam, mais uma vez, apostar na institucionalidade e esperar pacificamente até outubro para arrancar do Palácio do Planalto um governo que todos consideravam ilegítimo.
As eleições de outubro e a ascensão de Jair Bolsonaro
Foi nesse contexto de grande instabilidade política e descrédito generalizado nas instituições, que ocorreram as eleições gerais de outubro de 2018. Meses antes do início da campanha, a maioria das candidaturas já estavam definidas, e a principal dúvida era a respeito da participação ou não de Lula, já preso em Curitiba, no pleito, uma vez que o candidato petista liderava com ampla vantagem as pesquisas de intenção de votos.
O PT levou até onde pôde a candidatura de Lula, mesmo prevendo que esta deveria ser indeferida no futuro, e depois de agitar por meses a fio a bandeira “Eleição sem Lula é fraude”, decidiu apostar na transferência de seus votos para o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, em uma aliança com o PCdoB de Manuela D´Ávila, escolhida para vice.
Sem dúvida o cenário era pouco favorável para a esquerda em um sentido amplo. Após mais de 13 anos de governos petistas, que ao invés de romperem com o neoliberalismo, seguiram com uma política econômica voltada aos interesses da burguesia, garantindo um lucro inédito para os bancos, do qual o próprio Lula se orgulha tanto, investindo em empreendimentos que enquanto enchiam o bolso das empreiteiras agrediam duramente o meio-ambiente e atingiam as populações originarias, como no caso das usinas de Belo Monte e Jirau, e atacando os direitos da classe trabalhadora através de ajustes, reforma da previdência e forte repressão a greves e manifestações, como em junho de 2013, nos atos contra a copa do mundo em 2014, e com a aprovação da lei antiterrorismo, já no apagar das luzes do segundo governo Dilma, todo o ódio legitimo da população contra o sistema político e a corrupção sistêmica, foi dirigido genericamente à “esquerda”, devido à sua identificação com os governos da vez. Deve-se se somar a isso, sem dúvida, a campanha promovida por políticos oportunistas de direita e igualmente corruptos como o próprio Bolsonaro, grupos como o MBL, a grande mídia e o sistema judiciário. Diante disso, ao invés de apresentar um programa transformação radical, de ruptura com “tudo o que está aí”, claramente antissitêmico e anticapitalista, a maioria da direção do PSOL, partido que nasceu para ser alternativa de esquerda à falência do projeto lulo-petista, e que por isso carrega essa enorme responsabilidade, preferiu apostar na aproximação com o antigo setor governista, colocando a candidatura de Guilherme Boulos – importante liderança do MTST, diga-se de passagem – como uma espécie de apêndice “de esquerda” do PT, se limitando a fazer poucas e leves críticas aos seus governos, ao invés de expor francamente as suas contradições, e se conectar com o amplo sentimento de rechaço ao sistema falido.
Na falta de uma opção de esquerda que apresentasse de fato uma mudança de fundo, grande parte da classe trabalhadora e a maioria das classes médias acabou embarcando no discurso demagógico de Jair Bolsonaro, e suas respostas “fáceis” para os problemas mais sentidos pela maioria do povo, como os problemas de segurança pública, o desemprego e a corrupção generalizada. É claro que Bolsonaro não é uma alternativa à velha Nova República, ao contrário, ele é produto da mesma, mas como bom político carreirista e oportunista, soube como ninguém se apropriar do sentimento de revolta e revertê-lo em votos.
A reação à ascensão de um candidato como Bolsonaro, com um discurso proto-fascista e um programa que lança uma ofensiva contra os direitos dxs trabalhadorxs, aposentadxs e que, ao que tudo indica, irá levar às últimas consequências uma política sistemática de privatizações, se fez sentir antes mesmo do resultado nas eleições, com os atos multitudinários do #EleNão, que ocuparam as ruas de todo o pais, com as mulheres e a juventude na vanguarda. Mesmo com a vitória de Bolsonaro, esse movimento foi fundamental para deixar claro que o futuro governo não terá vida fácil, e que para colocar em prática os seus planos de ajuste e de venda do patrimônio público, terá que enfrentar muita oposição nas ruas.
Em que pese a tática extremamente equivocada adotada pela direção, e o fato da candidatura de Boulos ter sido a menos votada da história do PSOL em eleições para a presidência da República, um saldo positivo desse processo foi a eleição de dez nomes para a Câmara dos Deputados, conseguindo vencer a cláusula de barreira e garantindo importantes direitos ao partido, como por exemplo, a participação em debates e a propaganda gratuita na televisão. Além disso, ao que tudo indica, nessa legislatura a ala esquerda do partido terá maior representação no parlamento, com a eleição de nomes como Talíria Petrone, Sâmia Bonfim e Fernanda Melchionna, o que também expressa uma maior representatividade feminina e negra.
Essas eleições também marcaram o fim de uma polarização, cada vez mais falsa, entre os dois partidos que dominaram o cenário político-eleitoral do país desde 1994, com uma derrota fragorosa do PSDB ainda no primeiro turno das eleições, e com uma queda vertiginosa em suas cadeiras no Congresso Nacional. No que se refere ao PT, embora tenha conseguido se manter com a maior bancada na Câmara dos Deputados, também saiu bastante arranhado das urnas, perdendo a disputa pela reeleição ao governo de Minas Gerais, e vendo nomes de peso da legenda como Eduardo Suplicy, Lindbergh Farias e a ex-presidente Dilma Rousseff, ficarem para trás nas eleições para o Senado. Essa é mais uma prova da agonia da Nova República e do fim da estabilidade do sistema político nascido a partir da transição pactuada de 1985.
Perspectivas para 2019: um ano de muitas lutas!
O ano de 2019 não poderia começar de maneira mais emblemática para xs brasileirxs, já a partir do dia 1 de janeiro, com Jair Bolsonaro assumindo a presidência da República e, embora já tenhamos mais ou menos ideia do que pretende uma vez que tome posse, sem dúvida marcará o início de um período de acirramento da luta de classes no país, no qual toda investida contra os direitos conquistados com muito sangue e luta pela classe trabalhadora, deverá ser respondida com um combate sem tréguas. Sem dúvida nenhuma a tarefa mais urgente nesse momento é barrar a Reforma da Previdência, que graças às mobilizações de trabalhadoras, trabalhadores e da juventude, Temer não conseguiu aprovar esse ano. Precisamos buscar a maior unidade possível nas ruas com todas e todos aqueles que sejam terminantemente contrários a essa “contrarreforma”, exigindo que as maiores centrais do país organizem as suas bases, e construir de maneira conjunta um calendário e lutas e a preparação de uma nova greve geral.
Existem também datas tradicionais de mobilização e que no próximo ano deverão receber uma atenção ainda maior, como o 8 e março, o 1 de maio, e tantas outras. É preciso aproveitar essas oportunidades para estar dialogando com a população, inclusive com aqueles que votaram em Bolsonaro, não pelas suas declarações preconceituosas ou suas ideias de caráter proto-fascista, mas porque acreditavam sinceramente que ele seria uma alternativa a “tudo o que está aí”. Deve-se salientar, inclusive, que a base social de apoio do novo presidente tende a diminuir, na medida em que ele for aparecendo como realmente é: mais um político corrupto, a serviço do grande capital e de fazer a parcela mais pobre da população pagar pela crise dos ricos.
O ano de 2019 guarda, em suma, muitos desafios às e aos revolucionárixs, porém temos a certeza de que contamos com as armas mais eficientes para empreender essa difícil batalha, possuímos uma tradição forjada por incontáveis e incansáveis militantes que vierem antes de nós, e buscamos construir a ferramenta indispensável para o triunfo da nossa classe: o partido revolucionário. Não existe derrota que esteja dada, mas é preciso preparo e organização, para além disso, o nosso povo tem demonstrado em mais uma oportunidade, que tem disposição de sobra para enfrentar qualquer revés, e nós da Alternativa Socialista, em conjunto com nossxs camaradas da corrente internacional Anticapitalistas em Rede, enquanto organização política que surge justamente no calor dessas lutas, esperamos contribuir no que for possível para garantir a vitória final dxs trabalhadorxs.
/ Alternativa Socialista – Anticapitalistas em Rede