Peru: vozes de rebelião
Compartilhamos a entrevista com Flor Nolasco Pantoja, Coordenadora do Comitê pela Vitória do MNP (Lima) e Toribio Durand, analista político e militante da Região Sul do MNP, que participou do Panorama Internacional, programa da Liga Internacional Socialista – LIS.
– Você pode nos contar como está sendo a situação política em Lima?
Flor: Pois bem, camaradas, Lima, como resultado das diferentes mobilizações, atingiu um alto grau de politização, conseguindo mobilizar os setores juvenis, o setor universitário e todo o setor popular contra as políticas neoliberais de direita, ultradireita e de centro, descascando-os em conspirações da CONFIEP e da mídia que não aposta em mudanças estruturais a favor do cidadão comum. Na cidade de Lima, já se mostra um forte grau de resistência popular, mudando o clima de insurgência e levantando, como bandeira principal, a assembleia constituinte. Hoje, 16 de novembro, foi eleito o Conselho de Administração do Congresso, com mais de 62 votos, chefiado por Francisco Sagasti, do partido roxo que representa os interesses da ultradireita, privatistas e colonistas, e isso por sua vez se tornou a recomposição do neoliberalismo em nosso país.
– Por que Merino renunciou e esta crise no Peru?
Toribio: Essa crise no Peru se arrasta há anos, além da crise capitalista que também está criando certas contradições internas, um certo colapso em torno do modelo. Também vemos o problema da corrupção na Odebrech se acumulando. O partido de Fujimori, o partido Aprista, o próprio Ollantismo “com o programa da grande transformação”, acabam por negociar um roteiro e co-governam com a direita neoliberal. Neste contexto, já existiam vários antecedentes, com um governo PPK que foi eleito, mas que também se comprovam os atos de corrupção e deixa o cargo após um ano e 8 meses de governo. PPK fica sem banco e assume Vizcarra como filho político. Um novo governo é formado, uma recomposição da direita. A gente praticamente percebe que essa crise não fez sentido. ¡Merino num novo governo no contexto do 26 de janeiro, que é um Congresso que convoca uma eleição extraordinária com um Congresso fujimorista e lobista, que foi praticamente fechado e as mobilizações nas ruas exigiam ¡Fora o Congresso!
A luta ocorre como resultado de um acúmulo de ações e conflitos sociais, que a própria direita está gerando, e uma disputa entre a direita sobre quem é o novo representante do neoliberalismo, se é Merino ou se é o Congresso. Mas as pessoas não estavam mais felizes, a insatisfação era muito grande. E é neste quadro que a demissão de Merino é gerada, fruto de vários acontecimentos acumulados ao longo deste processo social.
– As mobilizações estão sendo muito grandes: o processo é nacional? A juventude está desempenhando um papel em tudo isso?
Toribio: Vemos que as pessoas ainda estão mobilizadas nas ruas, ainda estamos nas ruas de todo o Sul, de Tacna, Moquegua, Arequipa, Puno, Cuzco. As mobilizações em nosso país são muito massivas e muito grandes. Não vemos esse tipo de ligação há anos. O setor juvenil universitário, os trabalhadores, as donas de casa, os jovens que trabalham e toda a população têm saído às ruas para se mobilizar para responder ao governo neoliberal. Eles estão fartos deste modelo que não resolveu e não reformou nada que o povo deseja. Somos ruins em educação, ruins em habitação, as pessoas não têm onde morar. Somos ruins no setor de saúde, no setor de trabalho, com uma economia muito pobre. Este governo foi eleito porque a crise se aprofunda mais, mas em vez de equilibrar a crise se aprofunda, levando-nos ao colapso. Podemos ver que as pessoas ainda estão mobilizadas, ainda estão nas ruas, e a crise se aprofunda.
A juventude desempenhou um papel importante na queda do governo Merino, o governo neoliberal. Ele levantou o slogan “Nova Constituição, Assembleia Constituinte”. Acredito que temos uma juventude politizada que quer transformar o país a partir das estruturas. Ela não quer mais mudanças na forma, mas sim na substância, mudanças que reverterão a situação em nosso país. Os jovens têm desempenhado um papel extraordinário, ainda estão se mobilizando nas ruas. As eleições de 11 de abril estão chegando e não vão acabar aí, porque o povo vai buscar mudanças, mobilizando, agitando o povo, levantando o povo e dando as costas à direita, dizendo que eles não nos representam mais e nós queremos um novo país e refundação de uma nova pátria no caminho para o bicentenário.
– O repúdio à velha política é generalizado? Em qual setor social tem mais peso?
Flor: Toda a população peruana repudiava a velha política neoliberal, da constituição de Fujimori de 93, sob a qual diversos governos governaram e serviram para sustentar o modelo e institucionalizou a corrupção, levando ao fracasso da prevenção sanitária, desabou o sistema público de saúde. Isso se soma às grandes deficiências de outros setores, como educação, habitação, segurança no emprego, agricultura, etc. A mobilização está voltada para a população jovem e popular, com grandes chamadas na cidade de Lima.
– Como vai continuar a situação nos próximos dias da capital do país?
Flor: Diante dos resultados do congresso, a direita confiou que isso acalmaria a população nas ruas, mas a população saiu com força e em massa para se mobilizar. E assim mostramos que não queremos maquiagem do modelo neoliberal, mas exigimos mudanças na constituição para refundar o Peru. Continuando com o dia nacional de luta em conjunto com a CGTP, vamos mobilizar-nos em defesa do trabalho, da saúde e da vida, e pela democracia popular e da assembleia constituinte. Nós trabalhadores somos chamados a fazer parte desta luta, resistindo até que caia o caviar e a direita neoliberal.
– Qual é a perspetiva mais provável? Para onde vai a situação?
Toribio: As pessoas continuam nas ruas, pedem mudanças fundamentais, mudanças estruturais, discursam sobre uma nova constituição, uma assembleia constituinte. Vemos que este governo eleito pelo congresso, que é um governo de recomposição da direita, não vai cumprir o que a população exige. Lembremos que na capital morreram 2 jovens e há pessoas desaparecidas. Vemos um governo repressivo que pretende fazer desaparecer o protesto que é um direito de nosso país.
Diante de todos esses eventos, falta o fator estratégico. Vemos uma esquerda mobilizada, mas não contestando a liderança. Diante de um direito que se divide e compete entre si, algo estratégico tem que nascer. Por quê? Porque a população busca ótimas respostas para grandes conflitos.
Há pouco o novo presidente disse que não vai convocar o referendo e não haverá Assembleia Constituinte. Em outras palavras, ele governará com a constituição de 93 neste governo de transição. Portanto, não há vontade de mudança por parte da direita, que se oxigenou porque se aproximam as eleições de 2021 e de 2022 as municipais e regionais.
Estamos envolvidos em um processo de mobilizações e ao mesmo tempo um processo eleitoral. Então as pessoas vão continuar se mobilizando, vão continuar procurando alternativas de solução para essa crise que está por enquanto. Portanto, temos que começar a construir aquele fator estratégico que nos permite dar um salto massivo, programático, político e estratégico ao mesmo tempo em nosso país.
– Pudemos constatar que as palavras de ordem “Fora todos” e “Nova Constituição” estão ganhando força. Que política nós, revolucionários, devemos ter no Peru?
Toribio: A população descobriu uma coisa, que a única maneira de poder mudar esse modelo corrupto, institucionalizado nos diversos poderes do Estado, é a nova constituição. A palavra de ordem tem mais força, algo que em Lima nunca pensamos que seria gritado, que uma assembleia constituinte seria arengada. Agora não só o sul do país está gritando, que é o sul vermelho do país, mas agora Lima está gritando, tudo em nível nacional está gritando Nova Constituição e as pessoas estão pedindo uma Nova Constituição. Eu acredito que este é o caminho. Além de que essas dois vão ganhando força, elas se tornam uma ação de enfrentamento ao modelo neoliberal.
Agora, que política nós, revolucionários, temos no Peru? Nesse contexto, agora começamos a trabalhar de forma mais estratégica. Temos que ver como fortalecer esses espaços de mobilização, para continuarmos construindo com um processo de recrutamento. Mas para isso temos que ter um diálogo muito mais assertivo e muito mais estratégico, em um marco internacional que nos permita reforçar o trabalho aqui no Peru.
Vemos que aqui existe um problema de gestão, um problema de organização. A gente vê um problema na esquerda, porque eles veem tudo como tático e eleitoral, eles nunca vão capturar a questão estratégica porque as pessoas que estão se mobilizando agora que estamos na rua, estão vendo que o estratégico é o certo, por isso pedem mudanças fundamentais . E a nova constituição é apenas isso.
Acreditamos que a comunicação deve ser estabelecida para dar uma volta 360º e convencer do quadro estratégico de construção daquela organização. Aí devemos apostar, temos grandes fracassos no Peru com respeito à esquerda, mas temos grandes oportunidades no quadro da esquerda peruana.
Erros foram cometidos na esquerda, mas acredito que podemos começar a construir a organização revolucionária que tanto amamos. É um passo muito grande, a esquerda tem respondido muito bem, tem se mobilizado, tem participado das mobilizações, tem se articulado. Tem saído muito bem, surgindo como uma opção para 2021, acredito que estamos no caminho certo, mas nós, no marco de caminhar em um projeto muito mais longo, temos nos articulados para poder traduzir em Lima como já refletimos em outras regiões. Agora é a hora de continuar trabalhando.
A política dos revolucionários é ser capaz de construir um poder estratégico que tenha direção, organização e programa, e dentro deste quadro tentar começar a trabalhar setorialmente, territorialmente em todos os setores. É o que falta aqui e é o que devemos fazer desde uma perspectiva internacional, que tenha uma leitura clara do que está acontecendo aqui e do que aconteceu no Chile ou do que aconteceu na Bolívia nas últimas eleições com o MAS. Temos que começar agora, porque senão essas marchas vão cair no ar como você pode ver agora. As ruas e as mobilizações têm expressado que temos que ir aos movimentos sociais, bairros, coletivos, mas tentar unificar critérios, podemos unificar vários setores sociais.
– Existem oportunidades para construir uma organização revolucionária no Peru?
Flor: Claro que tem companheiro e estamos no momento de nos posicionar. Sendo objetiva, é claro que existem condições e grandes oportunidades para se construir a organização revolucionária, levando em consideração a organização, a direção, o programa no quadro estratégico e tático da construção; considerando que é importante e fundamental enfrentar e banir a direita e o capitalismo que aposta nos partidos tradicionais de direita e de ultradireita e a corrupção institucionalizada. E assim vamos capitalizar o grande descontentamento social, transformando-o em alternativa de mudança estratégica.
– Uma mensagem aos membros da LIS
Flor: Camaradas socialistas, saudações fraternas do Peru. No quadro da luta no Peru, podemos tirar grandes lições. A comunicação, coordenação e organização internacional da LIS é importante porque temos que continuar a construir sobre essas lutas que os povos estão conduzindo para enfrentar o modelo. Apelo a todas as forças políticas de esquerda que integram a LIS para que continuem a fortalecer os laços organizacionais da luta popular. Muito grata, companheiros.
Toribio: Eu acredito que este conflito em nosso país está em uma situação de conflito e uma crise terminal do neoliberalismo. O movimento social, o movimento juvenil, começou a tomar as ruas como uma tempestade e a buscar a democracia de outra forma, de uma forma que sempre levantamos. É nas marchas e nas mobilizações que as organizações revolucionárias devem ser construídas, e nós temos que estar lá, e nós estamos lá.
Faço um apelo a todas as forças que compõem a Liga Internacional Socialista na qual podemos nos unir, podemos nos unir, e dentro dessa estrutura podemos rearmar ainda mais nossa estratégia e nossas táticas contra esses governos nefastos, contra esse modelo neoliberal, mas ao mesmo tempo buscar a unidade e fortalecer os critérios coletivos que nos unem.
A América Latina tem que se transformar a partir das mãos dessas mobilizações, mas algo importante, temos que começar a crescer, nos fortalecer, nos unir no marco da fraternidade da comunicação, que pode transformar um projeto na América Latina e fortalecer cada país . Acredito que agora é o momento, uma nova constituição foi levantada aqui no Peru, o Chile aprovou seu plebiscito, uma grande vitória contra o capitalismo, na Bolívia o MAS venceu, podemos ver que há uma virada interessante que está ocorrendo na América Latina. Agora a LIS deve ter um papel estratégico aqui no país e em toda a região, que nos dê bom senso para continuar construindo um grande projeto revolucionário que queremos para toda a América Latina.
No Peru estamos com um governo neoliberal que negociou uma nova distribuição, procuram quem é o melhor para reconstruir, pensaram em Merino, Merino não serviu, deram-lhe um golpe. Antes de terem Vizcarra, Vizcarra aguentou o máximo que conseguiu, eles também não queriam Vizcarra. Procuram quem pode representar o modelo do nosso país, quem garante que o modelo pode sobreviver. Neste momento a gente vê que não tem, ficou sem os seus deputados, um representante que podia ser dado era Roció Silva que era da Frente Ampla, ela foi negada na primeira votação, vemos agora que Francisco Segande, que é do partido Morados, entra como novo representante, vemos que a mídia o aceitou como o bom candidato que vai resolver o problema da crise. Eles querem reconstruir até 2021 porque há eleições, mas a população continuará se mobilizando, atenta a todo o processo, não será um observador, mas estará nas ruas, organizando, direcionando o processo para uma nova constituição, então isso dá ainda mais. Nesse contexto, temos que ver que a estratégia desempenha um papel importante, e nós do Peru estamos montando exatamente isso e queremos montá-la em nível internacional, para ter uma abordagem muito mais ampla do Peru, como estamos discutindo agora com vários companheiros.