Uma luta ancestral que não aceita marcos
Por Carlos Lopes – Alternativa Socialista/LIS, Brasil.
Vida em primeiro lugar! Este é o lema do Grito dos Excluídos 2021, tradicional manifestação dos movimentos sociais e da Igreja Católica que acontece anualmente no 7 de setembro, e que neste ano será marcado por unificar os protestos contra o governo Jair Bolsonaro. Mas mais do que uma frase, o lema representa a luta que os povos indígenas vêm travando em Brasília contra a proposta do Marco Temporal.
O Marco Temporal é uma tese que está sendo analisada atualmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A matéria estabelece que os indígenas só podem reivindicar terras ocupadas por eles antes da promulgação da Constituição de 1988. A proposta poderia pôr fim a mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas em andamento no país. Por trás disso, está o interesse dos ruralistas em expulsar cada vez mais os povos originários de suas terras e avançar no agronegócio e na devastação da natureza.
Dando a tônica da resistência que travam há séculos, os indígenas estabeleceram acampamento em Brasília (DF) para pressionar o STF e os parlamentares a se posicionarem contra esta atrocidade. O Acampamento Luta Pela Vida é assim um poderoso exemplo de luta e resistência de milhares de indígenas que não estão dispostos a perder suas terras e o direito ancestral de habitá-lhas.
Mas mais do que uma tese, o Marco Temporal é uma regulação de práticas que não nasceram hoje. Ela vem da tentativa de apagamento e silenciamento dos direitos indígenas, e que encontraram eco sob o governo ecocida de Bolsonaro. É sintomático, inclusive, do cenário de caos e empobrecimento do Brasil. Num dos países que mais produzem alimento no mundo, a população virou destaque nas ruas e nos noticiários com a falta de comida no prato. A metade da população brasileira sofre hoje um grau de insegurança alimentar. Sob a égide do lucro desenfreado, os grandes empresários preferem exportar a produção enquanto o povo passa fome. Com a benção da presidência, agora os capitalistas querem avançar ainda mais sobre as terras, promovendo desmatamentos e a ocupação para o latifúndio, o agronegócio e o garimpo desenfreado.
Nossa história não começa em 1988
Reivindicando a tese de um Marco Temporal, os ruralistas querem nos fazer crer que os indígenas nasceram em 1988. Não é verdade. Desde antes de 1500, já ocupavam este território com agricultura de subsistência e em respeito à terra. Os genocídios sistemáticos, produzidos desde os bandeirantes aos empresários de hoje, afastaram os indígenas das suas posses de direito. A Constituição de 1988, então, foi um respiro que garantiu uma teia de direitos sociais, conquistados pela luta incansável dos povos originários, e que ultimamente vêm sendo apagados. Não admira, assim, ver a continuidade das violações aos primeiros habitantes desta terra, como também não admira a batalha por viver a qual precisam enfrentar mais uma vez.
É preciso dizer que este sistema, que queima a Amazônia e aumenta a temperatura média da Terra, é responsável pela degradação da sociedade. O capitalismo, com a ânsia de poder e do aumento da riqueza, polui, destrói e mata em nome do “progresso”. Desde a regulação climática, passando pela terra fértil e a manutenção dos mananciais de água, terras indígenas se traduzem como território livre da exploração. Dar nome aos donos desta crise é, também, desfazer qualquer ilusão que ambientalistas e população possam ter num “capitalismo verde”, um regime que busca equilibrar interesses distintos. Pensar o poder capitalista é, necessariamente, pensar no fim da vida.
Em defesa da vida, ecossocialismo.
A defesa do ecossocialismo, portanto, é uma das formas de adiar o fim do mundo, parafraseando o título do livro de Ailton Krenak. Com as invasões de terras patrocinadas pelo Ministério do Meio Ambiente, o desmatamento na Amazônia disparou, chegando a um aumento de 51% em julho, de acordo com os dados da Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Junto a isso, grileiros e garimpeiros ilegais fazem a farra sobre a impunidade. Por isso, a luta dos povos originários passa também pela derrubada desse governo corrupto, aliado dos crimes e da exploração. Não vai ser o fim da tramitação do Marco Temporal, quer seja aprovado ou não, que vai deter a sanha do bolsonarismo e os representantes capitalistas do Brasil em acabar com florestas e rios. Só a luta combinada entre campo, floresta e cidade pode dar a resposta que o governo merece.
A saída é organização internacional, democrática e com programa ecossocialista e anticapitalista para apontar o caminho da vitória. Lutamos pela autodemarcação e autodefesa dos povos e movimentos indígenas para enfrentar os planos de Bolsonaro e o capital extrativista, por uma verdadeira Reforma Agrária porque a terra é de quem habita e trabalha, pela participação dos povos indígenas nas decisões sobre o uso da terra e políticas de conservação socioambiental dos territórios, por reparo socioambiental a todas as áreas e comunidades afetadas, financiado por meio das empresas penalizadas pelas destruições.
Assim, por pão, terra e trabalho, lembramos novamente do lema do Grito dos Excluídos, dessa vez de 2016. “Este sistema é insuportável: exclui, degrada, mata”. Todo apoio aos indígenas acampados em Brasília! Que o STF vote contra o Marco Temporal e amplie os direitos dos povos originários. Desde a Alternativa Socialista, seção brasileira da Liga Internacional Socialista, nosso grito ecoará: fora governos da morte e os inimigos do meio ambiente! Ecossocialismo ou barbárie!