Manifesto Comunista: um morto que não para de nascer
Em 21 de fevereiro de 1848, o Manifesto Comunista foi publicado em Londres. Na Europa que passava por uma profunda crise econômica, mergulhando milhões de trabalhadores e camponeses na miséria, a classe trabalhadora dava seus primeiros passos na organização e na consciência, abraçando as ideias revolucionárias. As classes dominantes estremeceram com o “espectro do comunismo”. O Manifesto dá voz e corpo ao fantasma, dotando a classe trabalhadora de um programa de enfrentamento ao capitalismo e luta pelo socialismo. Desde então, é um dos textos mais traduzidos e editados da história. E embora possa ter sido considerado morto ou desatualizado mais de uma vez, continua sendo uma ferramenta fundamental para aqueles que, como nós, enfrentamos o capitalismo e lutamos para transformar a realidade.
Por Martín Poliak
A Pandemia Covid-19 revelou a decadência do capitalismo. A crise da saúde aliada à brutal crise econômica que atravessamos, somada à terrível crise ambiental, mostra que estamos diante de um sistema que não tem nada de bom a oferecer a humanidade além da miséria e da destruição.
Quando o capitalismo ainda estava em sua infância, Marx e Engels analisaram suas características e dinâmicas centrais. Portanto, 172 anos depois, este texto continua em pleno vigor. É verdade que muitas coisas se modificaram desde então. Mas tão verdadeiro quanto isso é que em grandes passagens, o Manifesto parece uma obra contemporânea falando-nos sobre o mundo de hoje. Pensemos, por exemplo, que em 1848, quando ainda não existia a palavra globalização, e o capitalismo só se consolidava em alguns países europeus, eles já descreviam sua tendência de expansão pelo mundo:
“A necessidade de um mercado constantemente em expansão impele a burguesia a invadir todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte. Por meio de sua exploração do mercado mundial, a burguesia deu um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. […] Em lugar do antigo isolamento local e da autossuficiência das nações, desenvolvem-se, em todas as direções, um intercâmbio e uma interdependência universais. E isso tanto na produção material quanto na intelectual. As criações intelectuais de uma nação tornam-se propriedade comum de todas.”
Por sua vez, Marx e Engels apontam que essa expansão capitalista é acompanhada por crises periódicas que mergulham as massas na miséria. Crises como a atual não são exceções, mas sim uma característica funcional capitalista. Diferentemente das sociedades anteriores, nas quais as crises eram causadas porque a humanidade ainda não produzia o suficiente para satisfazer as necessidades básicas, as crises atuais se devem às características do capitalismo: propriedade privada dos meios de produção, caos na produção e lucro capitalista como objetivo. Mas essas crises, que mostram os limites do capitalismo, abrem, por sua vez, a possibilidade de superá-lo.
Transformar tudo
Marx e Engels reconhecem no Manifesto que o capitalismo significou um avanço para a humanidade porque gerou um aumento da riqueza social, o que permite avançar para um mundo mais justo. Porém, a estrutura social e o funcionamento capitalista são um entrave para que isso aconteça: a propriedade privada dos meios de produção, a falta de planejamento econômico e a produção a serviço dos lucros capitalistas impedem que a sociedade continue avançando.
Como disse Trotsky há 80 anos, os avanços científicos e tecnológicos característicos do capitalismo, ao invés de significarem um avanço para a humanidade, atuam na direção contrária.
Hoje é produzido no mundo comida suficiente para alimentar o dobro da população mundial, mas milhões de pessoas morrem de fome a cada ano, porque as 10 multinacionais que controlam a indústria mundial de alimentos priorizam seus lucros.
Os avanços da medicina na época da ascensão da burguesia foram monumentais, mas hoje são cada vez mais limitados pela indústria farmacêutica. A pandemia do coronavírus revelou como a propriedade privada (no caso, a saúde) põe em risco a vida da humanidade: anos de investigações suspensas por ajustes ou baixa rentabilidade, uma corrida por vacinas que, em vez de cooperação e trabalho conjunto, se baseia na competição, pensando em ganhos futuros e não em vidas humanas.
O mesmo é aplicável na destruição do meio ambiente. Hoje é possível gerar toda a energia de que precisamos com meios não poluentes. Mas esses meios não são lucrativos e a indústria do petróleo ainda é um bastião da economia capitalista que a burguesia não pode descartar. À medida que as reservas de petróleo acessíveis se esgotam, o sistema desenvolve métodos de extração mais destrutivos, como o fracking.
Ou seja, o capitalismo está cada vez mais incompatível com a vida humana, mergulhando na miséria crescente com a apropriação dos mais abundantes bens de toda a história nas mãos de alguns. Isso não pode ser modificado se não for atacando os interesses dessas multinacionais, isto é, o coração do capitalismo.
A luta é política
Todos os dias vemos como os povos enfrentam a barbárie capitalista. O mundo é atravessado por lutas trabalhistas, ambientais, democráticas, de gênero e estudantis. Cada uma delas enfrenta consequências que o capitalismo conduz. Como o Manifesto nos advertiu, “toda luta de classes é uma luta política”.
Enquanto existir o capitalismo, tudo o que conquistamos com nossa luta de um lado, a burguesia recupera de outro. Se conseguirmos um aumento de salário, a burguesia, pela inflação, recupera o que perdeu e nós perdemos o que ganhamos. A luta de classes é política porque o objetivo dos trabalhadores é passar das lutas de reivindicações à disputa pelo poder. E isso só é possível com a “organização dos proletários como classe, o que vale dizer, como partido político”.
Um programa para ação revolucionária
Marx e Engels escreveram o Manifesto para a Liga dos Comunistas, uma das primeiras organizações políticas da classe trabalhadora, na qual desempenharam um papel de direção. O esforço se tratou em dar a classe trabalhadora um programa em bases científicas.
Hoje o marxismo é estudado muitas vezes nas universidades como uma teoria social, separada de seu caráter comprometido e revolucionário. Marx e Engels são apresentados como teóricos acadêmicos e não como os militantes políticos que foram.
Mas o Manifesto é um programa de ação da organização política da classe trabalhadora. É um chamado às armas que continua com força total para aqueles que hoje sentem a ruína que o capitalismo nos conduz e procuram lutar por um rumo diferente para a humanidade.