Entrevista a Paulo Rubem Santiago do PSOL-Recife
“É estratégico haver mais de uma candidatura de esquerda no 1º turno”
Reproduzimos a entrevista concedida por Paulo Rubem Santiago a Mauricio Gonçalves, e publicada no Blog Síntese.
No último dia 7 de julho o Diretório Municipal do PSOL Recife deliberou, por 4 dos 7 votos de seus membros, por abrir mão de lançar candidato próprio à Prefeitura da cidade nas eleições de novembro deste ano. Paulo Rubem Santiago, um dos pré-candidatos, afirma que a decisão fere resolução do Diretório Nacional. O Blog Síntese conversou com ele sobre a decisão do PSOL Recife, sua leitura da realidade política e suas propostas para o Recife.
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Blog Síntese: Por que você questiona a decisão do Diretório Municipal de Recife de apoiar o PT no primeiro turno? A decisão não foi democrática?
Paulo Rubem: A decisão não foi democrática e fere os estatutos doPSOL. As pré-candidaturas registradas até a terça-feira dia 7 de julho foram inscritas no Diretório Estadual. O Diretório Estadual foi quem deliberou por candidatura própria na capital em outubro de 2019. Está nos blogs políticos da cidade. Havendo dois ou mais nomes o Diretório Nacional deliberou por prévias. Com a retirada da pré-candidatura de Severino Alves no último dia 7, independente de suas razões e propostas a partir daí, restou apenas o nosso nome, registrado em novembro de 2019. Sem consenso interno, o nome deve ser levado para avaliação na convenção municipal, onde a maioria dos filiados deve decidir. É absurdo que queiram por quatro votos apenas, colhidos do Diretório Municipal (que tem sete membros) no dia 7, cassar a nossa pré-candidatura e silenciar as vozes dos milhares de filiados, de nossos militantes negros e negras, mulheres, jovens, pessoas com deficiência, filiados entre a população LGBTQIA+ no Recife. Isso é um autêntico golpe. Quatro votos tentando calar milhares de vozes e sujeitos, uma contradição aos princípios democráticos do PSOL e uma agressão aos direitos dessas e desses filiados e filiadas de debaterem e deliberarem. Estão sendo autoritariamente silenciados, não importa se é para apoiar A, B ou C de fora do partido. Essa atitude é o ovo da serpente que, se nascer, levará o PSOL para o ramo dos partidos de cúpula, burocráticos, repetindo-se os erros de outros partidos de esquerda já assinalados na história. Por isso, afirmamos: quatro votos não podem silenciar milhares de vozes e sujeitos sociais filiados ao PSOL. Para decidir as eleições de 2020 no PSOL Recife, Democracia, já!
Blog Síntese: Você percebe força eleitoral do bolsonarismo nas eleições 2020 em Recife? E a direita neoliberal?
Paulo Rubem: Há setores alinhados, sim. Serão os herdeiros do bolsonarismo, apesar da elevada rejeição que o presidente apresenta no estado. Isso não é suficiente para um bom desempenho e para crescimento. Depende de tempo de televisão, alianças, chapas proporcionais nas periferias, da própria capacidade da candidatura etc. Como o governo estará no comando da nação na data do pleito, é certo que fará chegar recursos às suas bases, ainda que vedados pela legislação eleitoral atual. Bolsonaro, contudo, será atacado por, pelo menos, três ou quatro palanques na capital, e isso vai diluir a capacidade de ação e crescimento de quem se apresentar como candidato dele, sobretudo por causa de sua postura na pandemia. Derrotá-los será essencial para fortalecer a luta pela democracia, pelo “Fora, Bolsonaro!” e pelos direitos do povo.
Qual a sua caracterização dos governos do PSB em Recife?
Paulo Rubem: O PSB apoiou o golpe em 2016, deu votos para as reformas de Temer e 22 votos (de 32 deputados federais) para a Emenda Constitucional 95/2016 [de congelamento dos investimentos sociais]. Aqui, [o PSB] é um partido que esconde a cidade real e fabrica uma cidade midiática. O que há de concreto e importante para o povo, por exemplo, na campanha “Recife: capital do Nordeste”? Quantas crianças essa campanha ajudou a matricular em creches públicas? Em quanto essa campanha elevou o investimento na atenção básica e nas unidades básica de saúde no SUS? Por que aumentou a mortalidade materna em Recife? Quantas novas habitações e quantas famílias foram beneficiadas com essa campanha [no quesito] regularização fundiária? Isso foi dinheiro jogado fora. As altíssimas mortes por covid-19 nas áreas mais pobres, sobretudo a morte de negros e negras e mulheres mais pobres, revelam o abandono das periferias e a centralização da cidade virtual no centro e na zona sul. Pior de tudo é o governo que não avança na garantia da água, do saneamento e do transporte público de qualidade. O retorno das atividades na pandemia está mostrando isso para os trabalhadores. A gestão do PSB não alterou a desigualdade em nossa capital, a mais desigual do país. Eleito para governar de fato e de direito, terceirizou grande parte da administração para instituições privadas.
Por que o PSOL deve ter uma candidatura própria à Prefeitura do Recife nas eleições 2020?
Paulo Rubem: Em primeiro lugar, porque partido que não disputa não cresce nem se torna referência, e temos para isso uma militância aguerrida, ampla e com capacidade de formulação política para estudar a cidade, construindo a crítica de suas condições de vida e as propostas para enfrentar a desigualdade estrutural que apontamos acima. Em segundo lugar, porque temos uma eleição em dois turnos, e a legenda deve ocupar esse espaço desde o primeiro turno. Crescer enquanto partido, fortalecer nossa chapa de vereadores e vereadoras, buscando uma frente de esquerda, da forma como já o fazemos na “Frente Povo sem Medo”. Já estamos agindo assim na maioria das capitais com candidaturas próprias e na busca de frentes. Não há contradição entre construir uma frente e pleitearmos a indicação para a candidatura à Prefeitura por essa construção. Muitos de nós, eu inclusive, já atuamos em várias frentes sindicais, populares e sociais com os demais partidos que fazem oposição a Bolsonaro. Eu venho sendo chamado para lives, palestras, seminários e gravações aqui, em nível regional e nacional, com sindicatos tanto da base da CUT quanto da CSP-Conlutas, e em vários desses sindicatos (Urbanitários, Servidores Federais, CNTE, sindicatos de Professores, entidades e frentes nacionais da Saúde e da Assistência Social), tanto há petistas como filiados ao PSOL, ao PCB, a UP. Meu perfil no Instagram e no Facebook tem revelado isso constantemente. Por fim, entendemos que é estratégico haver mais de uma candidatura de esquerda no 1º turno contra o PSB, a Direita e os bolsonaristas. Uma só candidatura ficará isolada e será mais facilmente combatida. Havendo duas, no mínimo, quem passar para o segundo turno receberá o apoio da outra candidatura contra nosso adversário comum que estiver lá.
Qual o seu programa de governo para o Recife e em que ele é distinto do dos outros partidos de oposição ao bolsonarismo?
Paulo Rubem: O programa será elaborado amplamente pelas forças com as quais queremos construir a frente de esquerda, mas certamente deverá ter como eixo norteador o combate frontal às desigualdades e a privatização dos direitos da população. Água não é mercadoria, saneamento não é mercadoria. Em 2015, mães geraram dezenas de filhos com microcefalia pois moravam em áreas insalubres, sem água, drenagem, saneamento e coleta de lixo. Em suma, abandonadas pelos poderes públicos. Agora, as mortes pela covid-19 matam mais negros e negras, pobres e desempregados das periferias sem acesso aos serviços essenciais urbanos. Somos uma cidade que ergue shoppings, mas não faz regularização fundiária nem habitação popular. Temos o Porto Digital, mas quase 50% vivendo abaixo da linha de pobreza.
O Programa de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social está congelado, eu diria que está até mesmo abandonado do ponto de vista do orçamento de investimentos da cidade. O acesso à educação infantil (creches e pré-escola) foi privatizado, com as vagas privadas representando mais que o dobro das matrículas na rede pública. Não temos 100% de cobertura no Programa Saúde da Família. Queremos ser a capital brasileira da saúde coletiva, da educação infantil e fundamental de qualidade, da promoção dos direitos da mulher, dos idosos, da juventude, das pessoas com deficiência, das culturas e da diversidade com cidadania, do combate ao racismo, da economia solidária e do cooperativismo, e não uma prefeitura que reprime e persegue ambulantes e camelôs. Por isso, o eixo norteador das políticas será o combate às desigualdades. Desigualdade se combate com participação popular, ouvindo o povo, com ações descentralizadas garantidoras de direitos e acesso aos serviços públicos, e para isso não há como não priorizar a valorização do conjunto dos servidores, com agendas democráticas, metas de valorização e transparência na realização dos gastos e investimentos.
Você é contrário à tática de uma frente de esquerda nas eleições 2020 em Recife?
Paulo Rubem: De jeito nenhum. Já estamos nessa frente na prática e, para a campanha, trabalharemos ainda mais por ela, lutando para ser o candidato a Prefeito dessa frente. Por que não? Minha trajetória de luta e compromissos populares é livro aberto. Como já afirmamos, estamos alinhados com o PSOL nacional, que integra a “Frente Povo sem Medo”, e seguiremos na perspectiva de uma frente na campanha municipal, articulando-a com o combate aos governos do PSB, ao bolsonarismo e à Direita no Recife. Sabemos que o Recife começou a ser governado em 2013 por Geraldo Júlio, que deixou a desigualdade intocada. Nos 35 anos de retomada de sua autonomia administrativa a partir de 1985, apenas três partidos governaram a cidade desde 2000 (nos últimos 20 anos, portanto). A desigualdade na capital, bem sabemos, tem causas conjunturais, locais. Mas, também, históricas, nacionais e estruturais, e isso deverá ser exposto por nós com força na campanha. Sinto-me preparado para isso. Já atuei em três esferas da vida parlamentar: municipal, estadual e federal, além da luta sindical e com os movimentos sociais. Sempre. São já 50 anos de vida pública. No plano nacional estamos ao lado de vários partidos contra Bolsonaro.
Entendemos que devem estar nessa frente os partidos que fazem oposição a Bolsonaro, à Direita e ao PSB em Recife e no Estado. Aqui, porém, o PT integra os governos estadual e municipal do PSB no Recife, e fez aliança com Paulo Câmara em 2018, não nos parecendo que possa sair desses governos agora para somar conosco na frente de esquerda. Por fim, é legítimo que o PSOL apresente sua candidatura às demais forças de esquerda e à sociedade recifense.
Paulo Rubem Santiago: Ex-dirigente sindical da educação básica na rede estadual e do ensino superior na UFPE. Fundador da CUT. Regente do Maracatu de Baque Virado “A Cabra Alada”. Ex-vereador, ex-deputado estadual e ex-deputado federal. Mestre em Educação pela UFPE e doutorando em Educação pela mesma Universidade.