O PSOL não deve fazer parte do governo Lula/Alckmin/Centrão

Esses caras são loucos… meu Deus do céu… atirando em crianças”. Essa frase foi dita por uma moradora de São José dos Campos – SP no momento em que filmava o início da operação para a violenta desocupação de um terreno pertencente ao megaespeculador financeiro Naji Nahas, local de residência de mais de 1.800 famílias (7 a 9 mil pessoas), a comunidade do Pinheirinho.

O terreno de 1 milhão de m² era avaliado em R$ 12 milhões, mas devia mais de R$ 16 milhões em impostos ao município. Mesmo assim o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Eduardo Cury, ambos do PSDB, gastaram cerca de R$ 416 milhões na operação policial, que contou com 2 mil policiais, 2 helicópteros, 40 cães, 100 cavalos e mais de 200 viaturas. Em 2016, por meio de um programa de moradia do governo federal, foi concluída a construção de um conjunto habitacional que hoje abriga a grande maioria dos antigos moradores do Pinheirinho, ao custo de R$ 140 milhões. Ou seja: o valor gasto pelos governos tucanos na desocupação teria sido suficiente para a construção de mais de 4 mil casas populares (o dobro do número de famílias desalojadas). Os números deixam explícita a enorme motivação político-ideológica que levou Geraldo Alckmin a determinar a reintegração de posse a Naji Nahas (envolvido em escândalos de corrupção e preso em 2004), e a ganhar o título de “carrasco do Pinheirinho”, além de várias charges do cartunista Latuff, onde aparece com a suástica nazista.

Vídeo da época mostra um então pouco conhecido “Guilherme” sendo preso pela PM, com o rosto ensanguentado, e colocado em um carro da Guarda Municipal. Dez anos depois, em entrevista ao coletivo Jornalistas Livres, Boulos declarou: “é preciso recordar quem foi Geraldo Alckmin no governo do Estado. Relembrar para não repetir”. Esse é o ponto de partida para o debate sobre a participação do PSOL no governo Lula/Alckmin: “relembrar para não repetir”.

A princípio, é preciso relembrar os ataques sofridos pelos governos de Lula e Dilma: a contrarreforma da Previdência, que acabou com a paridade entre servidores da ativa e aposentados; o congelamento de salários e a desvalorização do servidor público; a manutenção das privatizações corruptas do governo FHC e a continuidade dos projetos de desestatização/PPPs; a continuidade na destruição da Universidade Pública; o início do desmonte na área ambiental, com o desmembramento de IBAMA e ICMBio; a construção da UHE Belo Monte e os impactos socioambientais irreversíveis; o retrocesso na demarcação de Terras Indígenas e no Código Florestal; a liberação do cultivo de transgênicos e o apoio aos latifundiários do agronegócio; a manutenção e ampliação dos esquemas de corrupção dos governos Collor/FHC; o veto à realização de auditoria da dívida pública ilegal, ilegítima e impagável; o reforço à política de repressão do Estado capitalista contra os movimentos sociais (GLO, Lei Geral da Copa); etc, etc.

Em seguida, é preciso ter claro que a frente ampla que irá assumir o governo brasileiro a partir de primeiro de janeiro de 2023, não pode ser caracterizada como um “governo dos trabalhadores”. Jamais será um governo da nossa classe. Em sua origem, a coligação eleitoral contou com os tradicionais partidos da esquerda reformista (PT, PCdoB) em aliança com os ecocapitalistas (PV, Rede) e partidos de “aluguel” (PSB, Solidariedade, Avante, Agir). Lamentavelmente, a direção majoritária do PSOL jogou nosso partido para dentro dessa coligação.

O que esperar de uma aliança eleitoral com o partido do sindicalismo pelego (Solidariedade) que tem como principal liderança, Paulinho da Força, presidente licenciado da Força Sindical, braço do empresariado paulista no movimento sindical? E com um partido que tem “socialista” no nome, mas filia empresários como Geraldo Alckmin (ex-PSDB) e o governador reeleito do Maranhão, Carlos Brandão (ex-PFL/ex-PSDB)? Ou com tradicionais partidos de aluguel que mudam seus nomes e tentam se apresentar como algo “novo” para os eleitores, como o Avante (antigo PTdoB) e o Agir (antigo PRN, que elegeu Fernando Collor em 1989)? Alguma dúvida de que irão ocorrer escândalos de corrupção nesse governo? O PSOL não pode entrar nesse mar de lama.

Se essa composição já não fosse tão ruim, desde o 1º turno, no governo de transição Lula buscou consolidar mais espaço à direita. Na equipe de transição colocou o PSD, de Gilberto Kassab, partido que tem origem na extrema-direita brasileira (DEM – PFL – ARENA) que sustentou a ditadura militar. Também foi incorporado o MDB, de Renan Calheiros, Jáder Barbalho, Orestes Quércia, Sérgio Cabral, José Sarney e Michel Temer, políticos/empresários envolvidos em um sem número de denúncias de corrupção. Ainda estão o PDT, do latifundiário Giovanni Queiroz, que durante seu mandato de deputado federal afirmou que daria um tiro na cara de sem-terra que tentasse invadir suas fazendas, e o PROS (que apoiou Haddad em 2018, mas se alinhou em 80% das votações na Câmara dos Deputados, com o governo Bolsonaro).

Não satisfeito com a amplitude da frente burguesa em construção, Lula se movimentou em direção ao centro parlamentar do bolsonarismo e já declarou apoio à reeleição de Arthur Lira (aquele que engavetou 150 pedidos de impeachment contra Bolsonaro) para a presidência da Câmara federal. Com essa medida, busca costurar a migração de parte do Centrão (PP, PL e Republicanos) para a base de apoio do futuro governo no Congresso Nacional.

Mesmo com todos esses fatos sendo do conhecimento geral da direção majoritária do PSOL, Juliano Medeiros e companhia insistem na falsa narrativa de ser necessário participar do governo de conciliação de classes de Lula/Alckmin para supostamente derrotar o bolsonarismo. Ora, os bolsonaristas estão indo para dentro do governo. O neofascismo se enfrenta com a organização e a mobilização da classe trabalhadora, não com a capitulação vergonhosa a um governo que acolhe de braços abertos aqueles que tem flertado com o fascismo nas últimas décadas.

O PSOL não pode desistir de sua história e fazer parte do governo burguês de Lula/Alckmin. A direção majoritária de nosso partido não pode se dar ao luxo de contribuir para o retrocesso da pouca consciência de classe que foi historicamente construída em nosso país, orientando a classe trabalhadora a confiar e participar de uma frente ampla que irá governar para os ricos e poderosos, concedendo apenas migalhas para a maioria da população.

É necessário mantermos a coerência e o caráter de luta do PSOL e nos posicionarmos como oposição de esquerda ao governo Lula/Alckmin, inclusive apresentando uma candidatura psolista para a disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, contra o candidato governista/bolsonarista.

O fracasso desse governo, sob a perspectiva do atendimento das demandas da classe trabalhadora, poderá voltar a fortalecer o bolsonarismo e a ultra direita. É necessário reafirmar o PSOL como partido alternativo de esquerda, que não se vende aos interesses patronais, que não entra no jogo sujo da politicagem do Planalto Central. Voltar a ser o partido radical, que não aceita ser puxadinho do PT, dos tucanos, nem dos bolsonaristas. Voltar a empolgar os corações e mentes revolucionárias.

“Massacre do Pinheirinho completa 10 anos. Não esqueceremos!” Esse foi o título de uma nota pública divulgada em janeiro/2022, e assinada por várias correntes do PSOL (LS, AS, MES, Resistência, Insurgência, CST, Conspiração Socialista, Fortalecer, Revolução Solidária), pelo mandato de Ivan Valente (e outros), além de centrais sindicais, sindicatos de base, associações, coletivos, imprensa, movimentos de luta por terra e moradia, movimentos e coletivos de mulheres e juventude, artistas, povos indígenas, e outros.

Passados onze meses do ato público em memória aos 10 anos da violenta desocupação do Pinheirinho, nós continuamos a repetir: “Não esqueceremos!!!” E vamos lutar para que o PSOL também não esqueça, pois parece que o tempo tratou de apagar, na memória de alguns, a violência com a qual os governos burgueses, travestidos ou não de “vermelho”, tratam a classe trabalhadora. Ou pior: o passar do tempo não os fez esquecer, mas tratou de acomodar a antiga rebeldia anticapitalista no colo corrupto do regime da democracia-burguesa.

São Paulo, 11 de dezembro de 2022.

COMITÊ DE ENLACE: LUTA SOCIALISTA E ALTERNATIVA SOCIALISTA (CORRENTES INTERNAS DO PSOL)