Defender o óbvio junto com a Rita von Hunty

Por Verónica O’Kelly

Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio? A pergunta de Bertolt Brecht está mais atual do que nunca, e hoje precisamos fazê-la diante do surto de possibilismo de esquerda. A Rita fez uma crítica concreta à frente ampla que apresentou a chapa Lula-Alckmin no último sábado, que ao invés de abrir um debate honesto e de qualidade, gerou uma onda de ataques que se assemelham com as práticas negacionistas e reacionárias da direita. Além de declarar meu apoio, e o da Alternativa Socialista, aproveito a oportunidade para entrar nesse debate que a Rita coloca com um enorme acerto político.

O óbvio…

A Rita, como a gente, discute o caráter de classe dessa chapa. Mas não é um debate que nega o perigo bolsonarista, é exatamente o contrário. É justamente percebendo o perigo da existência da ultra direita que ao dizermos: “é o que tem para hoje” (em palavras da Rita) é a melhor forma de permitir a sobrevivência de Bolsonaro e do bolsonarismo. Porque não há possibilidade nenhuma de confrontar esse projeto da direita radical, sem apresentar uma alternativa política radical de esquerda. Ou seja, como vamos derrotar as políticas econômicas antipopulares e reformas neoliberais? Não existe meio termo, todos esses ataques devem ser derrotados com nossa luta e mobilização, e não com saídas negociadas com banqueiros, empresários e corporações.

Não existe saída a favor da classe trabalhadora e do povo pobre negociando com a burguesia. O todos ganham, que o Lula repete nos seus discursos frequentemente, sempre foi e sempre será: poucos ganham muito e a maioria deve aceitar as migalhas, quando tiver!

A chapa Lula-Alckmin se coloca para “reconstruir o Brasil”. Para tirar o país do quadro de pobreza, exploração e opressão para as maiorias, ou em palavras do próprio Lula, para “reconstruir um capitalismo sério”. Contudo, não tem como “reconstruir o Brasil” para as maiorias trabalhadoras e pobres sem ir contra os interesses de um punhado de ricos que pedem por mais reformas e ataques contra a classe trabalhadora. Daí que nos discursos do ato de lançamento da campanha, não escutamos “compromisso com uma agenda que revogasse (no mínimo) as reformas neoliberais de 6 anos de Temer-Bolsonaro.”

Possibilismo vs ultraesquerdismo?

“Esta conjuntura, essas contradições vão exigir de nós MUITA postura crítica e muita capacidade de organização. O cenário político do é o que tem para hoje não pode se normalizar, porque – além de reacionário – ele faz morrer qualquer desejo radical de transformação.”, continua dizendo a Rita, e eu assino cada palavra. O mal menor é Biden nos EUA, ou Macron na França, e duvido que algum militante de esquerda honesto se anime a dizer que qualquer deles é progressista. Como também não deveriam tentar nos vender a chapa Lula-Alckmin como esquerda, se quisesse continuar sendo honesto. O possibilismo daqueles progressistas que se empenham em embelezar um projeto que dá continuidade aos planos do capital, pretende apagar a crítica, denúncias e exigências daqueles que constroem e militam por uma transformação radical, de superação da sociedade capitalista, e com isso procuram apagar a estratégia socialista.

Nós que mantemos a firme posição de não cair em possibilismos, e propomos um programa que defende nossas lutas cotidianas por salário, trabalho, moradia, terra, igualdade, democracia e com independência de classe para conquistar um governo dos e das trabalhadoras, ou seja, um programa de transição socialista, somos chamados de ultraesquerdistas. Acusados injustamente de desconhecermos o perigo bolsonarista e, ainda mais, ajudar a ele a se reeleger. Pois bem, acontece que é justamento o contrário, e basta analisar o que aconteceu na história recente do Brasil, depois de 12 anos de governo do mal menor, da conciliação de classe, que resultou na emergência de Bolsonaro e da ultra direita como alternativa de governo, diante a desilusão das massas com esse suposto governo da classe trabalhadora, mas que governou atendendo os interesses do capital.

Eu sei que a pressão eleitoral é grande. Sou consciente que muitos estão querendo superar a barbárie bolsonarista nas urnas, e ainda com dúvidas e críticas, acreditam que a frente ampla de Lula-Alckmin é a ferramenta para isso. É desse local que falo e me somo a Rita no chamado a não cair nos falsos progressismos que confiam na democracia burguesa e suas eleições. A ultra direita se derrota com mobilização, sem ela, uma derrota eleitoral de Bolsonaro, apenas será uma vitória momentânea limitada a uma agenda liberal burguesa. As eleições, nossos candidatos, nossas frentes e chapas, devem ser uma continuidade política programática da luta que travamos nas ruas contra Bolsonaro. Uma alternativa política classista é a única opção real para enfrentar o projeto da ultra direita, seja nas ruas ou nas urnas.

As eleições devem servir para que os e as revolucionárias expliquem que a derrota do bolsonarismo vai depender do fortalecimento de uma esquerda radical, classista, anticapitalista e socialista, e ao serviço disso é justo e necessário apoiar suas candidaturas e frentes. Uma vez mais, é preciso defender o óbvio junto com a Rita Von Hunty.